quarta-feira, 13 de abril de 2011

Notas sobre o meu existir N° 9

O padre vigilante entrou na sala assustado, quase todos amontoados sobre o professor e sem saber o que estava acontecendo, e o que é mais preocupante e importante para os vigilantes, sem saber quem era o culpado. Agarrou um aluno gago para explicar o que estava acontecendo, mas depois de pouco tempo percebeu o equívoco e convocou o líder da turma para relatar o ocorrido. Infelizmente, era o líder que tinha realizado tal ato contra o padre professor, e estava quase que tomado de um êxtase estranho. O que estava com a estaca na mão foi descartado, para o vigilante, por motivos óbvios.  Os dois agarrando um terceiro e desesperadamente tentando conter um delirante não pareciam disponíveis para obter informações.
Foi então que ele olhou para mim, sentado calmamente no meu canto desde que tive o texto brutalmente arrancado das mãos, e perguntou:
- Que diabos aconteceu aqui!
- Não sei. Estava expondo meu trabalho, quando começou uma discussão sobre matar o cristão, e o líder da turma pegou a cadeira e quebrou no professor. Acredito que ele estava querendo aproximá-lo de deus...
Aí todos os seminaristas começaram a falar ao mesmo tempo e ele mandou todos ficarmos calado. Mandou alguém atrás de socorro, retirou o aluno transtornado com ajuda de mais dois alunos, que logo voltaram, e nos trancou na sala à espera do monsenhor.  A espera foi longa. 3 horas. Estávamos famintos. A maioria muito preocupada com o ocorrido e muitos fazendo acusações seriíssimas contra mim, que me defendia na medida do possível.
No entanto, o mais estranho, os alunos mais místicos da turma, de repente, tomaram meu partido e comecei a ser defendido como uma espécie de profeta. Bloquearam a tentativa de me elegerem culpado do ocorrido, afirmando que não poderia ser responsabilizado pela ação de outros, que em nenhum momento tinham visto qualquer tentativa de incitamento à mortandade cristã, como muitos me queriam impingir. E após muita discussão entre as partes, perguntaram minha opinião:
 - Penso que devemos dizer a verdade. O problema é: qual verdade? A única possível, descrever o ocorrido.....
 - Vamos ter que escutar seu texto outra vez? Gritou alguém no fundo.
 - Não necessariamente. Mesmo porque está um pouco ensangüentado.
Respondi prontamente.
 - Então tudo bem. Se continuasse escutando aquele texto era capaz de matar a pessoa que mais gosto só para aproximá-la de deus, disse aliviado.
Enfim, foi unânime. Contaríamos apenas o ocorrido, estava expondo meu trabalho sobre a morte cristã, quando se iniciou uma acalorada discussão e nosso líder, por algum motivo desconhecido, perdeu a cabeça e partiu a cabeça do professor.
Mal conseguimos chegar a essa decisão, isso após duas horas debatendo, entrou um padre bastante bravo e foi logo gritando:
 - Cadê o maldito texto!
Pegou o meu texto e se retirou. Todos olharam para mim e fizeram o sinal da cruz. Acreditei que era desnecessário tentar convencê-los a mantermos uma opinião comum. Senti que todos já tinham escolhido um crucificado, a ter que enfrentar uma crucificação massiva. Então, na outra hora seguinte, foi a mais demorada da vida, sozinho, ainda que alguns olhos compadecidos, por vezes, pareciam querer trazer algum alívio ou solidariedade, ao longe.... Mas, a maior parte dos olhos parecia dizer que a morte não seria tão ruim, quanto acreditavam que iria sofrer com os castigos. Neste ponto, temos que dar nossa mão a palmatória para a igreja, em termos de castigos, a palmatória é o mais brando dentre tantos que utiliza, principalmente para nossas confissões.

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