O Brasil não
tem problema, já o brasileiro é muito problemático. Sua elite ascendeu pelo
dinheiro, pela força ou pela violência, não por méritos políticos ou por
virtudes morais; assemelha-se mais a uma oligarquia do que a uma aristocracia. Sua
suposta elite intelectual ambiciona fama nacional para tentar conseguir glória (efêmera)
internacional. Mais do que inculta e ignorante, é fundamentalmente burra,
mesquinha e medíocre. Sinal claro disso é o lugar (ou não-lugar) da educação em
solo brasileiro, uma coisa improvisada desde sempre e, como tudo indica, para
sempre: segue os oportunismos governamentais, mais do que atender as necessidades
nacionais; sempre na mão de leigos, de apadrinhados, de amigos, de familiares,
de políticos, nunca na mão de educadores. O oportunismo e o improviso é a marca
mais significativa do espírito brasileiro. Não acredita no trabalho (ainda que
trabalhe como um burro), no estudo, no esforço, mas na sorte e nas relações
pessoais que trava para vencer na vida, nem que para isso tenha que cometer uma
ou várias canalhices. Suas virtudes morais são tão baixas, que basta ver alguém
simplesmente honesto, o que todos deveriam ser, para colocá-lo nas manchetes dos
jornais e televisões como herói, um modelo, não para ser seguido, pois no
Brasil poucos acreditam na honestidade como uma prática comum, mas para dar uma
leve expectativa que entre tantos bandidos, há ainda esperança de haver alguns
poucos que se salvam. O brasileiro tem a alma de garimpeiro, daquele que espera
fazer fortuna rápida explorando a natureza, sem se importar com os custos dessa
busca; tem um caráter covarde que o faz silenciar diante das injustiças ou
quando tem que agir para que ocorra o certo, que alienadamente delega ao
Estado, ou pior, ao governante realizar; é um preguiçoso quando se trata do bem
comum ou da coisa pública; é um pervertido moral, pois a moralidade é algo do
reino da aparência, nunca de essência, e o importante não é ser, mas parecer
honesto, bom e justo – via de regra, aquele que mais cobra moralidade é quase
sempre o mais imoral, e quer se qualificar, desqualificando o outro. Quando age
certo, dificilmente é pelo motivo correto, e quando tem um motivo correto, acha
que não precisa agir certo. Que alguns possam achar virtude numa aparente
alegria ou numa suposta cordialidade brasileira (que o digam os descendentes de
escravos, que muitos não encontraram até hoje um lugar descente para morarem),
ou ainda em algumas manifestações artísticas ou esportivas onde alguns
indivíduos possam se destacar, que não seja pelo dinheiro, pela força ou pela
violência os outros fatores que destacam os brasileiros para eles mesmos, tendo
a discordar, ou pelo menos relativizar a qualidade dessas virtudes, uma vez que
se continua a privilegiar as ações individuais, quando as verdadeiras virtudes,
ou pelo menos, as mais importantes não são aquelas que destacam os indivíduos,
mas aquelas que são produzidas em conjunto com os demais, aquelas que se faz
entre homens como a amizade – não a cumplicidade como se entende em solo
brasileiro a amizade; a coragem de enfrentar as adversidades e as injustiças; a
justiça de saber agir de forma certa no momento apropriado, antes que a
vingança por maldades supostas; a sabedoria para moderar sua razão e suas
emoções, de forma geral, imaturas e tolas. Tenho para mim que o brasileiro é um
cagão, não só foge da luta, mas se caracteriza pelo famoso “deixa disso”,
acredita que deve entregar tudo quando sob a mira de alguma arma, que uma
prolongada vida covarde é infinitamente melhor que uma breve vida heroica, que
nada nem ninguém valem qualquer gesto digno de sua parte, que se deve se ajoelhar,
seja aos poderosos, seja a qualquer bandido. A herança histórica dos
brasileiros é recheada de canalhice, negociatas, sandices, megalomanias,
mentiras, usurpações, corrupções, golpes de Estado, que por mais que
historiadores procurem alguma dignidade, a mesma nem ao menos é um termo do
vocabulário ordinário, quanto mais algum tipo de prática ou mesmo teoria, tendo em
vista que o que moveu o desenvolvimento nacional sempre foram interesses
mesquinhos, econômicos e as circunstâncias que obrigam os brasileiros a terem
que revisar seus pontos de vistas sempre arcaicos, meras cópias mal feitas de
ideias importantes, mas que poucos entendem – falta cultura, falta formação! Se
pudesse fazer uma hierarquia entre as merdas nacionais, o que é certo absurdo,
pois seja bosta, coco, fezes ou excremento, trata-se, sem dúvida, sempre de
merda, um termo rude ou rústico, é verdade, mas honesto e verdadeiro, e muito
mais próximo da realidade nacional, onde excremento é um termo tão sofisticado,
que nem professores universitários o utilizam, além de soar falso aos ouvidos
surdos dos nacionais, diria, então, que uma das coisas mais fedidas que temos é
as leis, um excremento só. Em primeiro lugar, ninguém ou quase ninguém em solo
brasileiro, e sendo brasileiro, gosta de lei – burlar é quase um esporte
nacional, com certeza, uma prática usual; todos ou quase todos, por arrogância
ou ignorância, acham que as mesmas servem aos demais, nunca para eles próprios
ou para aqueles que consideram seus. Em segundo lugar têm a petulância de
querer mudar a barbárie nacional por decreto, quando os hábitos e os costumes
só muito lentamente podem ser mudados, quando são mudados, o que nem sempre
ocorre. Em terceiro lugar querem abranger tudo e tudo escapa pelo excesso de
regulamentação que se contradiz ou se opõe, ou nada especifica de fato, e tudo
se resolve pelo burocrata que interpreta a norma como bem entende. Entre o que
a lei impõe, o que o governante ordena e o que o funcionário público faz são
coisas tão distintas, que qualquer cidadão sabe que quem de fato resolve seu
problema, é aquele amigo que conhece alguém na repartição que fará tudo
acontecer como tem direito (ou não), mas que ninguém está disposto a
realizá-lo, a não ser que seja conhecido de alguém da repartição ou instituição
que presta o serviço. Diria que em termos políticos os brasileiros são
pré-políticos, acreditam mais nos homens do que nas leis, votam mais nas
pessoas que nas ideias, e se pudessem seriam monarquistas, só não são para não
ser a única excrescência das Américas. Na verdade, a mentalidade brasileira é
de Estado absolutista, que deve resolver tudo, que deve fazer leis, executar o
direito, guardar a economia, resolver as pendengas de todos e acolher a todos
diante dos cataclismas. Os brasileiros valorizam mais a beleza que a
inteligência, mais o bolso que o caráter, mais o sabido que o sábio, mais o
esporte que a política, mais a arte que a ciência, mais o mito que a filosofia,
mais a aparência que a essência, mais o conhecimento prático e a utilidade
imediata que a sabedoria teórica e de caráter formativo, que não visa um fim
imediato, mas aquisição de certo refinamento no pensamento. A grande
contribuição para a humanidade dos brasileiros, além do samba e da cachaça, é o
fato de serem medíocres e não fazerem grandes coisas, o que evita grandes
erros, e sua atuação na arena internacional é pífia, como são seus políticos,
não contribuindo para grandes cagadas mundiais; quase toda nossa merda é
absorvida internamente. Externamente temos a petulância se sermos uma potência,
ainda que acrescentem o sofisma “emergente” após potência, que se sabe, não é
levado a sério, pois concretamente somos uma nação pouco confiável, onde os
contratos podem ser rompidos por mudanças intempestivas das leis, sempre
prontas para mudanças segundo a força dos interesses que as promovem. Não há
diálogo ou debate, e qualquer manifestação de ideia, se desqualifica o
idealizador antes de se entrar no mérito do idealizado. A democracia é
entendida como uma tirania da maioria sobre as minorias e que a escolha do
governante resulta na liberdade de escolha da tirania a que se quer se
submeter. A aquisição de riqueza ou bens resultam mais numa ostentação de sua
posse do que em algum tipo de aprimoramento pessoal e, de forma alguma social, e
a aquisição de conhecimento em posse de instrumento de manipular e enganar a
grande maioria, carente não apenas de conhecimentos, pois que isso até mesmo a
elite é, mas também portadora de uma ignorância secular, e, portanto,
facilmente manipulável por qualquer espertalhão. Fundamentalmente, o brasileiro
tem preço, e é barato, porém, pouco valor.
Ao afirmar
isso pode parecer que tenho certo menosprezo pelos brasileiros, entre os quais
me encontro. Longe está da verdade. Há algo que admiro e que certamente deve
ter influído sobre os fundamentos metafísicos da minha filosofia intestina, a
desimportância dos brasileiros no cenário internacional e a vagabundagem brasileira (cantada em versos e contada em prosa desde o início de
sua ocupação) e que sempre foi severamente reprimida pelas autoridades oficiais
e econômicas, quando não pela própria família, que não poucas vezes tem que
carregar nas costas um ou vários folgados que habitam as famílias brasileiras.
Verdade que as autoridades são essencialmente vagabundas, mas cobram de nós
esforços, para que elas próprias não tenham. De fato, conheço poucos que, se
pudessem, não viveriam à custa de alguém ou do Estado, e como são tantos a ter
a mesma ideia, poucos de fato realizam, ainda que queiram. Nisso vejo alguma
sabedoria, todos querem antes um emprego do que um trabalho, mais o salário que
o esforço para obtê-lo, o único problema é que isso é feito de forma desonesta,
como é a prática nacional. E a desonestidade, não a vagabundagem, é o que onera
a vida de todos, pois paga-se caro para se garantir os bens, que a rigor nunca
estão de fato garantidos, que podem ser usurpados em ardilosas artimanhas, pois
que aqui, dependendo dos recursos econômicos que se tenha e do arsenal jurídico
que se utiliza, tudo pode ser transmutado diante do juiz: nem as leis são muito
honestas nesse país. A preguiça que é algo comentado e relatado desde o que se
intitulou a “descoberta” (ocupação) do Brasil, que dá o suporte ontológico para
a vagabundagem nacional, deveria ser desenvolvida e aprimorada, porém realizada
honestamente, e não como se faz, sempre em prejuízo de alguém ou de vários.
Deputados, governantes, juízes e tantos outros folgados que rondam as manchetes
nacionais deveriam ser privados de seus privilégios, para que mais pessoas
possam folgar também. Ora, se há uma coisa que nossas leis fazem é garantir
privilégios as diversas categorias, proporcionalmente à sua força política
diante da sociedade covarde. Enfim, esta preguiça tão salientada nos trópicos
pelos experientes europeus, tão necessária para uma vida digna num clima por
vezes tórrido, deveria ser levada mais a sério, e ao invés de trabalharmos para
sermos uma potência medíocre, ser um país que antes de aparecer diante dos
demais, satisfaz o mínimo necessário para os que aqui perambulam e habitam. A
verdadeira riqueza natural só é útil, se nos faz trabalhar menos, e aqui se tem
tantas frutas, o que permite desfrutá-las o ano inteiro, sem muito esforço. De resto, vejo que os países podem se organizar sob círculos virtuosos ou círculos viciosos, e a qualidade dos círculos depende da qualidade dos cidadãos; onde se tem mais virtude, há menos violência e menos custos para se viver, onde se tem mais vício, há mais violência e o custo social é maior. O brasileiro se estrutura através de círculos viciosos, que datam do tempo colonial, com clientelismos, paternalismos, cumplicidade e troca de favores, onde as relações pessoais são mais importantes que as competências individuais, e o bem público uma apropriação privada dos setores sociais mais fortes da sociedade brasileira; a repartição de honras e punições atendem critérios de relacionamentos, e quanto mais distanciado estiver dos portadores desse poder, tanto mais distante estará da honra e mais próximo estará da punição. Naturalmente, para os cidadãos comuns, como eu e a grande maioria, que nada fazemos e assim nada podemos para alterar os vícios que sustentam a sobrevivência viciosa dos brasileiros, que passamos despercebidos das autoridades e da imprensa, e temos uma vida normal, ou seja, sem glória ou fama, podemos levar uma vida bem razoável no Brasil, afinal há pessoas divertidas, há muita coisa para ser vista, criamos relações que nos sustentam num mar de barbárie social, pois aqui se mata mais por menos, e a vida é uma banalidade que assistimos esvair nos telejornais diários. Dizem os mitos que a câmera inibe a criminalidade, entretanto, desde que se tornaram usuais, só tenho assistido a roubos e mortes, sem observar nenhuma diminuição, pelo contrário, assisto alarmado a sua ampliação e amplidão. Eu mesmo já sofri várias tentativas de roubo, e só não fui roubado porque nada tinha (ou tenho) para ser roubado, pois praticamente só tenho o que trago dentro de mim, algumas ideias, várias emoções, alguns parcos conhecimentos e uma tênue vontade de continuar vivo, e nem sei direito por que. Talvez, porque eu mesmo ainda não tenha feito uma grande cagada e apenas cagado aqui ou ali moderadamente, como a grande maioria, que se não traz grande contribuição para a vida pública, também não promove enormes disparates públicos.
Poderiam legitimamente perguntar se não haveria pessoas que escapam desse diagnóstico, ou até mesmo se eu estaria imune a essa mediocridade brasileira que descrevo. Creio que sim, aliás, eu me considero quase imune à barbárie local, conseguindo conviver razoavelmente de forma pacífica nesse mar de mesquinharias e violências; além disso, conheço gente sábia e justa por aqui. Todavia, somos tão poucos e a sabedoria é tão difícil de ser absorvida pelos locais, assim como o bom senso tão escasso, e a disposição para agir assim como a coragem para a ação tão raras, que suas existências passam despercebidas, quando não são tidos por tolos quem possui tais qualidades; é que num universo de ignorância generalizada, independente da classe social, a sabedoria dificilmente é reconhecida, e o sabido reina soberano sobre os vulgos. E a merda nem é tanto não saber, mas antes a forte aversão a saber. Eu que não espero grande coisa do futuro, visto que o passado é medíocre e o presente igualmente, aguardo apenas o passar dos dias para assistir antigas cenas se repetir e, dentro das minhas limitações, sofrer o menos possível com a barbárie dos demais e tomando cuidado para não pisar na merda que vejo espalhada por toda parte.