Do fato das
reivindicações serem legítimas de boa parte dos Movimentos Sociais, não
acarreta que a luta (ou batalha campal) seja justa, pois que os fins não
justificam os meios, uma vez que se pode fazer merda pela forma, ainda que o
conteúdo não seja uma bosta. Intenções boas nunca foram suficientes para tornar
as ações boas, ou legítimas, ou sequer justas. Em primeiro lugar, é de se lembrar
de que o direito ao protesto não deve obrigar a todos a ter que escutá-lo,
desfrutá-lo, desejá-lo, ou ainda sofrer constrangimentos. Manda as regras da
boa convivência e educação, informar quando e onde se fará a manifestação, pois
que o mundo não precisa parar só porque algum setor social sente-se injustiçado
e muitos têm coisas tão importantes quanto dos protestantes para realizar,
senão mais, e pode ser ainda que o protesto seja tolo e irrelevante, ainda que
espaçoso e barulhento. Em segundo lugar, a disposição injusta se acha também na
alma dos que não possuem, eles não são melhores do que os possuidores e não têm
prerrogativa moral, pois em algum momento pensa os conflitos sociais como
simples expressão da força relativa de cada grupo, e acreditam que a força faz
o direito. Quer porque quer. Reitera, repete, insiste. Não inova, não muda. Não
percebe que uma demanda se mostra mais forte quando consegue expressar-se numa
linguagem que outros setores da sociedade entendam e possam aceitar. Quando ela
é vazada em propósitos que só valem para um grupo relativamente fraco, pelo
menos quanto à possível persuasão dos outros, e se torna relativamente
aprisionada, convence quem está convencido, persuade os já conversos. Daí sua
debilidade discursiva. A força de um discurso está em ele se estender e em
lançar velas ao vento, se aventurar no oceano – para inovar é preciso ir além
do sofrimento e das supostas injustiças, debatendo como gente grande, fazendo
proposições razoáveis. Em terceiro lugar, com falta de tempo para pensar e tranquilidade
no pensar, as pessoas não mais ponderam as opiniões divergentes, contentam-se
em odiá-las. Com o enorme aceleramento da vida, o espírito e o olhar se
acostumam a ver e a julgar parcial ou erradamente, e cada qual se contenta ou
se entristece com sua vida. Em quarto lugar, considero uma ofensa à
inteligência cada um dos setores ou dos governantes, se colocarem como nossos
representantes, como querendo dizer, nem você sabe sua vontade, “Eu” (um
movimento social, uma ONG, um político, um artista, um governante, um partido –
sempre alguém petulante) sei exatamente o que quer, e o que deve fazer para
conseguir, e isso sem nos consultar, aliás, sem nem ao menos quererem saber o
que queremos, basta que queiramos igual a eles.
Uns param
estradas, outras param ruas, porém todos impedem o direito mais elementar de
qualquer pessoa: o direito desses protestantes parece valer mais que os
direitos de todos ou pelo menos, da grande maioria. É que tudo aqui é mais ou
menos assim, um faz merda, outro recolhe e joga mais à frente, esse, então,
joga na frente da casa do vizinho, esse por sua vez joga no bueiro da rua, e aí
todos saem perdendo na enchente. Acho tudo tão infantil e tolo, sem
criatividade para protestar, pois não visam à busca de uma solidariedade social
para fins comuns, mas intimidar autoridades que não querem perder índices de
popularidade; querem aparecer e tiranizar a mídia, ocupando os espaços. Não são
políticos no sentido forte do termo, de se abrirem ao debate e convencerem ou
serem convencidos sobre o melhor a ser feito. Deveriam convencer as pessoas, ou
a não usarem transportes públicos, ou a não pagarem pelo uso, ainda que todos
sejam presos, pois a desobediência civil ainda que traga sacrifícios pessoais,
mostra a vontade inquebrantável de lutar por princípios e causas comuns. Deveriam
convencer as pessoas a pararem por sua causa, antes do que ficar obrigando a
todos, parados, por vezes, passando até necessidade, a ouvirem suas lamúrias,
que todos conhecem e sabem do que se trata, e sabem que nada podem fazer, pois
nem os reivindicantes sabem o que fazer, senão bradar palavras de ordem
genéricas.
Enfim, a merda é que todos são infantis, quando
perdem a autoridade se tornam autoritários, quando perdem em argumentos, acha
que tudo foi manipulado; desconfiam das qualidades morais dos demais, ainda que
nunca se preocupem de que as possua. A bosta não está apenas na forma como
fazem, mas na maior parte das vezes está naquilo que querem e lutam. A imaturidade
política do Brasil faz da democracia uma tirania da maioria sobre a minoria, e
da república, um reino para os políticos: a sociedade civil é apenas uma
multidão dispersa, sem objetivo comum e sem direção certa, seguindo cegamente
os momentos confusos que criam para si próprios nas suas relações entre si e
com as autoridades. O que mais caracteriza o brasileiro é sua incompetência
política, copiando ideias estrangeiras ou práticas para a qual não tem preparo,
que resulta em leis confusas e na arbitrariedade de sua interpretação.