Se estiverem certos alguns cientistas ao afirmarem que a matéria está em expansão pelo universo, quanto mais a matéria do universo se expande pelo nada fazendo tudo, mais se estreitam nossas possibilidades de conhecê-lo. Naturalmente, o problema não está em não conhecê-lo, afinal, estamos na Terra há tanto tempo sem saber muita merda, que não fará muita diferença, quando desapareçermos da face do planeta, pouco ou mesmo nada saber. Podemos continuar sem saber a verdade do mundo por muito tempo ou para sempre, e nem por isso deixaríamos de levar a vida como estamos levando, como fizemos até agora. O problema não é não saber, mas atribuir ao que não se entende, algo que se entende menos ainda. Uns acreditam que o mundo foi criado, muitos que há um criador, outros que ele sempre existiu. Para mim, não faz a menor diferença.
O universo é o paridor, parido ou não; pode ter sempre existido, sem início e sem fim, apenas a realizar uma transformação material eterna. Como parte deste universo e como seres desfrutando da liberdade, somos paridores de mundos no diálogo dos nossos palpites sobre a existência. Não obstante, o universo é repleto de coisas que não conhecemos e talvez nem venhamos a conhecer; pode não ter uma explicação ou não encontrarmos uma designação. Afirmar mais do que isso, é afirmar algo sobre o que não se sabe e talvez não se possa saber, ou mesmo haja o que saber.
Para o universo é indiferente a existência ou não da divindade, uma questão colocada por crenças antigas arraigadas no imaginário do homem comum. Na infância da humanidade, criaram-se as diversas divindades, algumas ainda sobrevivem até os dias atuais, como algo que era os olhos a tudo ver e punir os injustos, garantidor da justiça e da ordem social; a religião, assim com o militarismo, foram as primeiras formas de organizar as sociedades civilizadas no mundo antigo, até a criação da política. Milhares de deuses sucumbiram junto com os povos que os cultuavam. E tudo que se pode saber sobre essa criação antiga é o que os homens do passado disseram e os presentes acreditam. Assim, aculturados desde o início da amamentação em alguma religiosidade, só com muito esforço uma pessoa pode se libertar das doutrinas domésticas e ousar pensar por conta própria. Só esses exercem a liberdade de andar desamparado e tropeçar com pernas próprias.
Como são as crenças que movem as pessoas, não a verdade ou sequer uma suposta realidade, toda ela arquitetada pelos valores morais, mais do que por uma suposta percepção das coisas, seja lá o que se diga, as divindades persistem pela humanidade, adoradas sobre diversos nomes e permitem, até hoje, sob sua égide, cometer as mesmas barbáries que ocorrem desde a antiguidade. A laicização social advinda da criação política amenizou as manifestações religiosas, mas não impediu que pessoas mais fracas e imaturas, inspiradas por suas alucinações, cometam enormes cagadas até nos dias atuais em nome de alguma divindade. Nesse sentido, ainda que possa existir ou não uma ou várias divindades, o problema é o que os homens fazem com elas.
Logo, nesse mundo material que cria um mundo natural e a vida, e cria o homem, dessa espécie decorre inúmeros mundos, em grande parte apenas imaginários, e cada um desses mundos imaginados coletivamente se tornam um mundão, e em seu mundinho tenta solopar, se apropriar, expropriar, usurpar, ou mesmo liquidar o mundo alheio. Cada um agarrado ao mundo do seu deus ou deuses, se acredita superior aos homens e ao deus ou deuses adorados nos outros mundos, a tal ponto que pode até fazer guerra contra os demais. E como é impossível haver um só deus ou deuses para todos, na medida em que cada mundo imagiado pelos diversos homens fica fechado sobre si, confirmando mutuamente suas crenças, os homens se matam por seu deus ou seus deuses. Um desperdício de gente.
Proporia a descrença na divindade como uma espécie de proposta humanitária, se isso pudesse ser discutido, mas creio que tal hipótese sequer será levada a sério. Assim, uma das coisas do mundo com a qual temos que aprender a conviver, é com as lutas religiosas que se dão não apenas com armas, mas com a pressão sobre governos e Estados para fazerem proibições sociais e individuais, ou impedirem manifestações religiosas ou laicas dos demais. A religiosidade é um fenômeno do mundo humano com o qual todos se deparam, mas principalmente os ateus e agnósticos, que, como minorias, raramente são levados em conta nos cálculos sociais a respeito do que permitir ou proibir.
É óbvio que é impossível saber quantos mundos existem, talvez, tantos quanto somos nós, e mais difícil ainda seria enumerar o que existe e não existe em cada um deles, e impossível seria chegarmos a um acordo sobre a realidade das coisas, ou sua importância, ou a importância dos homens. Ainda assim, conversamos, debatemos, discutimos, tentamos estabelecer um entendimento comum. Éramos bem mais brutos há alguns séculos passados e estamos amenizando nossos debates, e conseguimos conviver com discordâncias de opiniões, pelo menos dentro de certos limites. Se alguma coisa for possível fazer para amenizar ainda mais as discussões humanas, de tal modo que a discordância não chegue no ódio, ou pior ainda, na punição do contrário, a mesma emergirá de algum debate civilizado.
Falar é o que nos distingue das demais espécies. Ainda que falar demais ou de menos seja a razão porque vamos à guerra, é também falando que se pode estabelecer a paz. Falar fez a humanidade se emancipar de muitos medos e temores, de inúmeras superstições, ampliou seu conhecimento e autoconhecimento, e tem permitido uma certa prosperidade material e também espiritual, com as trocas individuais e culturais que se ampliam com o desenvolvimento dos meios de comunicação. A fala comunga os esforços em função de algum bem comum, a fala traduz nossos interesses e gostos aos demais, e nos faz entender os interesses e gostos dos outros. E permite também ofender e separar as pessoas.
Portanto, a fala, assim como a divindade, depende do uso que se faça para estabelecer seu valor. É um instrumento que, por mais que se anseie a precisão ou a evidência ao se enunciar alguma coisa, dificilmente consegue um entendimento unívoco. O dito é interpretado e daí tudo pode ocorrer, se entende, se deforma, se distorce, se perde o sentido. Não basta saber falar, é preciso aprender a recepcionar o dito, buscar um entendimento completo antes do que o sentido. Isso se aprende ainda que haja poucos a ensinar.
E assim falando em falar já disse muito sobre o mundo. Disse que falamos sobre o mundo e discordamos a seu respeito. Disse que o homem, filho da vida natural, é um falante. Disse muito sobre a vida, mas não disse o que é a vida. Ainda que vivo esteja, que dela desfrute ou padeça, não sei dizer o que seja, ainda que possa descrevê-la com minúcias. Creio que ocorre mais ou menos assim, todos queremos permanecer vivos ainda que pouco saibamos sobre a vida propriamente falando. Há o temor da morte, mas não é isso propriamente que faz a maior parte se agarrar a vida. Creio que seja suas possibilidades o que encanta: viver é ter a possibilidade de realizar o que ainda não foi feito, mas se deseja realizar. A vida é uma espécie de desejo de continuar desejando. O fato é que da vida pouco se sabe e muito se deseja.
Tenho para mim que a vida é simples, ou se come, ou se é comido, e mesmo um grande comedor, acabará comido. E o homem é apenas parte da cadeia alimentar, um onívoro, é verdade, mas palatável à várias espécies, além dos abutres que afinal comem qualquer porcaria morta, até eles mesmos. Isso do ponto de vista da natureza. Do ponto de vista humano a coisa se complica, a vida pode passar de algo sagrado à algo desprezível da noite para o dia, de século para século, de pessoa para pessoa. Um feto pode passar de um aglomerado de células à uma coisa sagrada dependendo do lado do muro que se está. E há quem possa decidir a verdade da vida diante de tantas verdades distintas? Bom, tenho a minha verdade, a vida é o que faço dela.
E ainda que todos sejamos homens, o que seria o homem? Falo da espécie e não do gênero, pois daí mais merda encontraríamos. O homem é um ser que fala, e grande parte do que diz pouco vale, o resto vale menos ainda, eis minha suscinta definição da humanidade. O que não quer dizer que a humanidade não seja capaz de grandes ditos e grandes feitos, mas isso é raro, o comum é ver massas de pessoas lutando para sobreviver ao canibalismo natural e humano, ou não serem ludibriados pelas falas alheias, ou tentando ludibriar os ouvidos dos demais. Há sentimentos, mas esses, em grande parte, ou são confusos, ou são mutáveis, ou são volúveis, ou são fúteis, ou são inúteis, e nas vezes que oferecem algum conforto emocional, em grande parte são instáveis e suscetíveis aos pequenos gestos. O amor à uma pessoa pode se transformar em ódio por um pires quebrado. Via de regra os melhores sentimentos são construídos juntos, mas é difícil, pois que os homens competem, até mesmo entre os sexos. Competir se aprende de pequeno, brigando com os irmãos pelo melhor presente dos pais.
Falando assim pode parecer meio melodramático, mas para ser honesto acho trágico. O homem é um bosta e, o pior, faço parte dessa merda. Sofrerei na carne todas as cagadas humanas, mesmo que de povos distantes, ainda que seja mais perceptível pelos que me são mais próximos. Seja o progresso, seja a recessão me atingem, mesmo que nada faça ou queira me salvaguardar. Mesmo eu, que nada tenho, é mais fácil viver quandos todos têm e jogam coisas fora, do que quando ninguém tem e todos querem pegar o que encontram.
Para ter o homem faz o possível, o impossível e a safadeza, bem usual. O homem apossa-se de tudo, de cada parte, das minúcias, das miudezas e até das coisas minúsculas, mas principalmente das grandes extensões, e, infelizmente, de pessoas. Isso é a maior bosta que faz e pode fazer, mas é feito por gigantescas massas de gente. Mesmo o famigerado sentimento de amor é um tipo de posse, um tipo de escravidão mais amena, voluntária. E pessoas amam até sanduíche. Quando dizem que me amam, por vezes, tenho a sensação de ser tão somente um sanduíche que, como todo sanduíche, acabará em bosta evacuada.
Alguém poderia alegar que estou depreciando a mercadoria para vendê-la barata, que o homem é capaz de grandes gestos e nobres atitudes. Não nego essa possibilidade, apenas observo a raridade de sua ocorrência nos eventos cotidianos. E nem preciso assistir os noticiários ou ler os jornais, pois daí é que veremos só desgraça mesmo, já que isso é que alimenta as notícias diárias, pouco afeita aos grandes gestos, que são na verdade pequenos, como a reles honestidade. Mas, não! Não quero vender o homem, ele não tem preço, tem valor. Quem pensa que compra alguém, vende uma imagem pior de comprador, e quem se deixa vender, é porque não vale nada mesmo, e aí se pode estabelecer qualquer preço.
Por fim, os que atravessaram esse pântano de bosta até aqui exposta, que sobreviveram às minúcias da descrição de parte da fedentina humana, que acredito que sejam poucos, poderiam deduzir ou induzir que tenho algum tipo de ressentimento com relação à humanidade. Ao contrário, tenho uma imensa gratidão de ter nascido após tantas e cruéis cagadas humanas; se não impedem de ser um cagão na atualidade, ao menos permitem que não cometa as cagadas passadas. Além do que permitem que possa dizer qualquer bosta, o que até algum tempo atrás não se podia. E se não enuncio grandes positividades sobre o homem e aparentemente saliento muitas negatividades, o fato é que acho tais categorias impróprias ao fenômeno humano: o homem faz o que pode, não o que quer. Apenas não me limito a ficar patinando na merda alheia calado, que por aí estão para os incautos pisarem despercebidamente. Se falo da bosta é para não pisarem, nem tanto para sentirem o cheiro, que todos conhecem.
Isso é parte da discussão do que acontece com nós, pobres mortais, seres evacuantes. Há consequecências terríveis a serem verificadas por uma análise mais minuciosa. E isso será feito nas próximas partes deste fétido tratado filosófico.
Sobrevivi! Compartilhei. Agora...reler, reler, refletir, refletir. A gente insiste!
ResponderExcluirPra variar, "merdas" à parte, quanta razão quanta verdade. Sobrevivemos, mas não saímos ileso. Espero. Continuo por aqui.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu quis dizer que tirando a parte "anal", digamos assim, o seu texto é muito bem escrito e interessante.
ResponderExcluirO pior, que é o melhor, está por vir......
ResponderExcluirPara vc o Universo, não é nada divino, ok!
ResponderExcluirMas o Universo tem lá suas leis e eu acredito nelas.
Sim a ciência tenta explicar a origem de tudo, tem bases cientificas, mas muitas coisas ainda são misteriosas.
E é ai que eu acho está um divisor entre a origem de tudo.
Pq não se consegue saber tudo, diante de tantos avanços da ciência?
Dizem que os povos antigos eram mais inteligentes, afinal muitos de seus achados científicos servem de base até hoje.
Mas o que aconteceu com o conhecimento do homem moderno?
O que o difere dos povos mais remotos?
Foi o excesso de informação que foram deturpando o conhecimento?
Foi à busca pelo poder?
Foi à falta do verdadeiro interesse em fazer o bem para a humanidade?
Foi à concorrência, a competição?
Foi o acumulo de coisas e objetos que o homem tanto corre para criar que o limitou?
Acho que está muito longe do alcance do homem decifrar a origem do mundo, da espécie (embora a ciência tenha grandes avanços, ela não afirma nada).
E vão tentando, vão cada vez acumulando informações e vícios.
Mas diria que às vezes parece um descaminho, um retrocesso do conhecimento, embora tantos avanços da ciência...mas o homem só faz uso de experimentos e de transformar o que já existe, ai cabe a famosa frase, "na natureza nada se cria, tudo se transforma".
Quanto a outro aspecto de religiosidade, não misturo crer num ser divino com religião.
Tbm não creio num Deus que mata e castiga, isso é mais uma vez o homem usando da escritura para dominar e criar o medo...embora ache que a coisa vai seguindo de tal maneira para o descambo, que muitos só chegam a ter um comportamento razoável através de uma crença e de uma religião.
Então eu penso que algumas tentativas de se levar alguém a se encontrar são validas, só não concordo em se lucrar com isso.
Filosofando sobre uma filosofia, eis um diálogo.....
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