sexta-feira, 3 de maio de 2013

Salvem-se a si mesmos!

Tem gente querendo salvar o mundo ou a humanidade, só não sei do que, para que, de quem e outras coisas mais. Se algo precisa ser salvo, é porque está em perigo, mas, tirando a canalhice, que risco o mundo ou a humanidade correm? Naturalmente, que poderemos morrer afogados em lixo, em restos, em supérfluos, mas como haveremos de morrer, que diferença faz, desde que não haja sofrimento. O suposto aquecimento global não passa de fatalismo barato, que só aquece a discussão sem nada sugerir de significativo, senão a contenção de gases, quase nos obrigando a parar de peidar. Nada tão tolo e presunçoso como nos acharmos capaz de destruir a merda do mundo com nossas merdas; nossos merdas só podem adubar a nós mesmos, ou de nada servirão, o que é mais usual, ainda que possam destruir algumas coisas, que afinal serão destruídas como tudo, para que novas coisas se façam. Morre-se para abrir caminho para as novas vidas tão sedenta quanto nós por tudo e por todos. Não, não tente salvar os demais de ilusórias opressões, ou salvar o mundo da ganância, ou salvar a vida dos pobres e comprimidos cidadãos dessa existência tola, não é a luta contra as coisas que promovem o justo, mas antes a afirmação de si que não permite a injustiça dos demais contra si. Tenho para mim, que o melhor que se faz é pouco ou nada fazer, de preferência ignorar quase tudo e quase todos, só se atendo nas pequenas coisas que se precisa para viver: boas pessoas para conviver, a realização de pequenas coisas prazerosas, a aquisição de um sentido para si e a independência de pensar e agir. A humanidade continuará a cometer suas catástrofes ecológicas, seus crimes humanitários, sua exploração extrapolada dos recursos humanos e naturais, sua busca incessante de coisas fúteis, como sempre fez, e isso não é algo necessariamente ruim para os homens e para o mundo, pois que se pode escolher, e se escolhe viver na imundice e de forma imunda, com sentimentos e pensamentos miúdos, gostos duvidosos, desejos extravagantes e medíocres, assim como de ações mesquinhas. Não adianta lutar contra essas coisas, esse processo civilizatório que torna a todos consumidores contumazes e contribuintes alienados e apáticos, lute para não se render a essa tendência, abandone emprego e status, livre-se dos bens e dos haveres, e cumpra apenas com o dever elementar de qualquer pessoa, sua sobrevivência digna, ainda que pobre. Não tente acabar com as guerras, com a fome, com a exploração, com as tiranias, pois fará apenas guerra, explorará ou será explorado, ou tentará impor a sua tirania (seu certo, sua justiça, sua verdade) particular aos demais; contente-se, quando muito, como os sábios, de não se deixar tiranizar e terá feito o que se espera de qualquer pessoa livre, não se submeter seja às pessoas, seja aos ideais, seja aos sempre falsos líderes. Se há algo para ser salvo, é cada um salvar a si próprio, cada um cuidar de si, não se submeter aos demais, nem submeter ninguém. O que estraga o mundo e a todos nunca está longe de nós, basta olhar no espelho e perceber o canalha que se é, e, assim, talvez, deixar de sê-lo. É só cada um deixar de fazer sua parte da maldade do mundo que o mesmo se tornará menos ruim. Mas, salvar seja o que for, os homens, ou o mundo, é de todo inútil, pois que tudo está de antemão condenado à morte certa. Enquanto não morre, que pelo menos não mate muito para viver, pois que matará muito para viver, legumes, frutas, animais.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Uma filosofia e um filosofar

Não sei por que, mas alguns me chamam de filósofo, talvez, por me ouvirem dizer que sou um epígono de Diógenes, o cínico. Talvez, porque defenda o ócio com muita convicção e sem pretensões de obter algum ganho que não seja o saudável nada fazer. Talvez, porque nada cobre para expor minhas ideias, que, verdade, poucos estão dispostos a ouvir. Há ainda aqueles que por perceberem que não tenho profissão, nem renda, e por vezes escrevo algumas coisas, que me aproximo daquilo que acreditam ser um filósofo, alguém que perde seu tempo com o nada, tão rico de tudo que é porcaria que se inventa. Enfim, minha vida parece criar algum estranhamento, alguém que está sempre estudando, mas não se forma em nada, alguém que está sempre lendo e que conhece infinitas coisas, e, no entanto, não se dedica a aplicação ou ganho remunerado com nenhum dos seus conhecimentos. Bom, não sei se faço jus ao título que me dão, visto que os filósofos têm certo ar de condutor de homens, o que não é o meu caso, que posso quando muito me esforçar por não ser conduzido pelos demais, pelas tiranias sociais a exigir comportamentos adequados para toda situação. O fato é que se tenho um filosofar, o mesmo se caracteriza por tentar conduzir minha vida de forma digna, sem me ajoelhar ou me vender aos costumes. Minha filosofia me impõe leis mais obrigatórias que as leis civis, obrigando-me à honestidade; ela amplia meu entendimento e minhas obrigações sobre mim e sobre o mundo. Enfim, se há em mim um filósofo, o mesmo se manifesta toda vez que entro em conversação com os demais, quando interrogo ou sou interrogado sobre a vida, ou, o que é mais comum, sobre as merdas da vida, visto que essas permanecem mais tempo atormentando as pessoas atormentadas. Alguns acham que tenho uma filosofia triste, o que longe está da verdade; o que entristece é saber a verdade, o que é uma característica da defesa intransigente da veracidade. Por fim, há o fato de falar muito da morte, do suicídio, da eutanásia, do aborto, dessas coisas irreversíveis, desses atos legítimos do desespero humano, fruto da sua liberdade de escolha, nem condenando, nem enaltecendo, apenas salientando a infinita possibilidade humana de plasmar coisas que mexem com os valores de todos. Por tudo isso, sou tido por filósofo, alguém que defende ideias e vive segundo elas, que se contenta com boas discussões, que se delicia com novas descobertas, que procura a sabedoria em toda atividade, mesmo naquelas mais inocentes. Dizem até que tenho uma metafísica, que é do adubo que se irradia a vida e que é no intestino que se plasma nossas ideias. Que tenho uma epistemologia, que se aprende mais com os erros do que com os acertos. Que tenho uma ética, que o certo é uma questão que se estabelece no momento e na circunstância. Que tenho uma lógica, por pior que esteja, ainda pode piorar, ou morrer. Que tenho uma estética, que o belo é quase sempre fútil. Portanto, o título me cabe até certo ponto, visto que sempre mamei muito nos filósofos, e que, como muitos deles, busco um caminho próprio. Porém, o título fácil de ser obtido, é também facilmente perdido, pois o título definitivo é sempre dado pela posteridade, que carregará sua influência para o presente, ou não. Estejam certo, se tenho uma filosofia e conseguir ensinar alguma coisa, será fundamentalmente para que se aprenda a aprender, pois o pior não é a ignorância, mas o asco em querer aprender e a satisfação com uma ilustração elementar que não ultrapassa a superfície das coisas e antigos preconceitos; uma filosofia militante da sabedoria que ensina a pensar com o próprio intestino, que defende que a felicidade não está no trabalho, nem na riqueza, nem no prazer, mas em se obter bons amigos e poucas obrigações. E perguntarão: e daí? Que importância tem um filósofo hoje, ou melhor, o que se ganha sendo um filósofo hoje ou em qualquer época? Rigorosamente nada, pois não é uma questão de ganhos, mas de abertura de caminhos, e a importância da filosofia não está tanto nos resultados práticos, mas na formação de mentalidades, na promoção da formação humana. Se há uma coisa que aprecio na filosofia, é que ela é uma arte liberal, e não serviçal; não está aqui para servir, mas para libertar dos serviços e pensar na vida, princípio que adoto sempre, fazendo o mínimo possível para sobreviver e dedicando a maior parte a contemplação da vida mundana que levamos. Assim, sendo um filósofo, vou a praça expor minhas ideias e debater as ideias dos outros, sem me preocupar com outra coisa que não seja a verdade, que se espera surja do debate e da discussão, pois a verdade nunca é algo que existe de antemão, mas surge quase sempre após o inquérito racional dos homens.