terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Nem feliz, nem infeliz

Perguntam se sou feliz, respondo, eventualmente. Perguntam se sou infeliz, respondo, eventualmente. Na maior parte do tempo, não me preocupo com isso; há tanto a ser feito (mesmo para alguém, como eu, que não pretende fazer grandes coisas), que não tenho tempo para pensar nessas coisas. Ora, mal acordo tenho que dar conta da minha vida, há o café a ser tomado. Por vezes, por levar a sério meus princípios filosóficos, tenho que limpar alguma xícara, pois todas as 3 já estão sujas e não foram lavadas, ou ter que adquirir o café que adiava, sabe-se lá desde quando, sua compra. Enfim, há inúmeros detalhes na vida que nos ocupam, mesmo querendo ser um desocupado. E há coisas que só nós podemos fazer por nós mesmos, a começar pelas necessidades fisiológicas, que não são tantas, mas se mal programadas podem surgir nos momentos mais impróprios, tanto que felizes são aqueles que são senhores do seu intestino e da sua bexiga. Depois vem os afazeres domésticos, eventualmente varrer a casa, lavar a roupa e a louça, arrumar o quintal e o jardim, levar o Platão para passear, devolver ou buscar livros nas bibliotecas, fazer o almoço, ler algum livro, ler os jornais na internet, enfim, milhões de pequenas coisas diárias. Assim, o que pode acontecer para que seja infeliz ou feliz? Pouca coisa...... Uma doença seria uma infelicidade, um convite para alguma coisa seria uma felicidade. No mais, ainda que não tenha muito que fazer, tenho mais que fazer do que ficar pensando nessas coisas que passam, como felicidade e infelicidade. Na minha vida, há coisas que ocupam mais a minha atenção: a liberdade, a justiça e a humanidade. A primeira é uma conquista individual, a segunda é coletiva, a terceira é (ou será) histórica. Mas, nada disso me deixa feliz ou infeliz, por vezes apreensivo, outras preocupado, outras cético, outras esperançoso, porém nada que se pareça com a simplicidade da felicidade ou infelicidade.

domingo, 18 de dezembro de 2011

A merda natalina

Em se tratando de natal, o que se avista de tipicamente humano é a atividade comercial, essa coisa que o homem pratica desde remotas épocas, só que nesse período acrescido de muito frenesi. A confraternização no mais das vezes é bastante desagradável, a troca de presentes raramente satisfatória e os motivos religiosos é o que menos importa, visto que é algo eminentemente pagão, cheio de bebidas e comidas: padres e pastores apenas atrasam o que realmente interessa, o presente, a comida e a bebida, não necessariamente nessa ordem. A palhaçada começa na decoração das casas, das lojas, das ruas, praças e avenidas, na aparição do farsante vestido de papai Noel, nos votos falsos que as pessoas fazem, e termina no agradecimento de algo que não lhe agrada. As ruas ficam agitadas, as lojas entupidas de consumidores contumazes, as pessoas mal humoradas xingam uns aos outros, quando não se matam por uma vaga no estacionamento, ou por uma mesa no bar, ou por um atendente da loja. Sou dos poucos que passo o natal em paz, sem dar presentes, ainda que os receba, sem ter que participar das festas de confraternização, seja da profissão, seja da família, seja da religião, do time de futebol ou do partido político, sem me entupir das podres delícias que surgem nessa época. Há solidariedade, mas boa parte dela é abatida do imposto de renda, seja da pessoa física, seja da pessoa jurídica. O próximo é lembrado como alguém que entope o trânsito, que aumenta a fila, que atrapalha e incomoda a vida apressada. No mais, brigas ocorrerão, muita hipocrisia será dita e muitas mentiras serão enunciadas nos encontros familiares cheio de rancores, ressentimentos e ódios contidos, mas não deixados de sentir.

Bosta de vida

Quando se pensa que já viu todos os absurdos praticados pelos humanos, eis que nos surpreendemos e somos obrigados a assistir mais canalhice. Poderia falar de algum assassinato cruel, de algum acidente imbecil, de alguma safadeza praticada contra os incautos, ou seja, quase todos nós, porém, prefiro salientar as legislações atuais, que cada vez mais dá mais poderes aos Estados e mais controles sobre os cidadãos. Um pai não pode mais educar seu filho segundo seus critérios; é preciso consultar um advogado para saber o que pode ou não fazer com relação à educação do seu filho. Eu, que já achava loucura educar uma criança num mundo sem princípios, agora acho apavorante ter que educar de acordo com os padrões de supostas autoridades no assunto. Assunto que não há autoridade, senão o curso natural da vida, que não vem com manual e cada um tem que inventar o certo em cada caso.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Das pessoas

Com relação às pessoas, há de tudo um pouco. Mas, podemos dividi-las em dois grandes grupos, os que nada sabem e os que acham que sabem. Entre os que nada sabem, a maioria nem sabe que não sabe, e alguns poucos sabem o suficiente para saber que pouco ou mesmo nada sabem. Entre os que acham que sabem, há os petulantes e os arrogantes, que é uma grande maioria (que por terem algum título em alguma especialidade, se consideram autoridade em tudo mais), e aqueles que têm apenas fé. Pessoas com dúvidas se encaixam entre aqueles que não sabem; pessoas com amor se encaixam entre os que acham que sabem; pessoas que sofrem podem estar ora num grupo, ora no outro. Os céticos estão entre os que acham que sabem (sabem que não há verdade); os cientistas entre os que não sabem, eis porque pesquisam; os religiosos estão entre os que acham que sabem, por fé e por petulância; os leigos estão entre os que não sabem, seja por aversão a saber, seja por mera ignorância. Naturalmente, há aqueles que podem transitar entre um e outro, e, às vezes, permanecer em ambos os lados, ora dos que não sabem, ora dos que acham que sabem. No meu caso, com muita tranquilidade me encaixo entre os que não sabem, mas muitos acreditam que saiba alguma coisa, só porque falo das merdas dos homens com alguma sabedoria, e me classificam assim entre os que acham que sabem. De fato, alguma coisa sei, mas isso não me qualifica a estar entre os que sabem (muito menos nos que acham que sabem), pois o que sei é o tanto que não sabemos, e, talvez, o pouco que há para saber.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sem palavras

Não tenho palavras para manifestar minha alegria e satisfação, ao ver a contundente resposta aos interesses puramente político-partidários dos políticos dada pelo povo paraense. Ora, ao invés de brigarem por palácios e cargos, os políticos paraenses deveriam antes lutar para atender as necessidades sociais e humanitárias do povo. Mais escolas e mais hospitais, antes do que mais assembléias e palácios, deputados, senadores, governadores, e todo custo social que tais estruturas causam. Enfim, o povo sabe que não é falta de políticos que ocasiona os problemas sociais, mas a ausência de políticas, de definição clara do interesse público; o problema está mais no descumprimento da lei do que da ausência de leis. O povo tem a sabedoria de perceber que o Estado, antes de lhe garantir direitos, ou mesmo a vida, tem um custo operacional enorme, que faz com que suas obrigações fiquem restritas ao que sobre do que deve, e nem paga direito a todos os devedores. Não, não é falta de governadores ou deputados estaduais que ocasionam carências de estruturas estatais, antes pelo contrário, o custo excessivo dessas estruturas estatais (executivo, legislativo e judiciário) é que causa ausência dos serviços assistenciais que o Estado deveria prestar. Para cada migalha que o Estado põe no prato do povo, gasta uma fortuna com seus banquetes para sustentar essa camarilha pronta a sugar a maior parte com a administração da função, do que no exercício da função. Se o dinheiro do ministério da saúde fosse para saúde, teríamos sanados os seus problemas.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Acertando com os erros

Já fiz coisas erradas, faço...... quem não o faz? Fazer coisas erradas não nos diminui, nos iguala. Quem não erra, ou melhor, erra menos, são os poucos que se distinguem: em alguma coisa conseguem estar certos ou errar menos. Há casos que quando acerto, erro, e quando erro, acerto. É que a fronteira entre o certo e o errado é movediça, muda com as circunstâncias e os momentos, além do fato que os erros nos ensinam a realizar novos acertos, assim como cometer outros enganos. Assim, correndo o risco de acertar ao errar nas palavras certas para dizer coisas erradas, digo que o certo é um erro, que o certo é incerto, que o certo é errar tentando acertar, e que os erros nos mostram muitas coisas certas. Devo muito da minha sabedoria, se é que tenho alguma, aos meus erros. Errar é típico de quem tenta encontrar alguma verdade num mundo bem mentiroso, falso: sou dos poucos que ainda pergunta para as certezas humanas se elas se sustentam sem algum a priori, que se tem que aceitar sem prova. Nelas estudo o agir da ignorância humana, que tira conclusões precipitadas, apressadas, e que se disfarça de sabedoria, visto a imensa ignorância de quase todos que permite aos sabidos passarem facilmente por sábios. Não sabem distinguir entre as opiniões divergentes sobre os grandes temas, quais possuem algum fundamento, quais apenas se qualificam desqualificando as demais, quais tem consistência lógica e plausibilidade prática, quais não.  A opinião que mais encanta, a mais fantástica será a mais aceita; não têm paciência para acompanhar a explicação da prosaica realidade, e se encantam com qualquer coisa que pareça gigantesco, espantoso, estupendo, fantástico, senão divino. O problema não é não aprenderem com os erros, o grande problema é que as pessoas nem percebem que erram, logo nada podem aprender; como quase todos estão errados, mas se confirmam mutuamente como estando certos, quem de fato está certo, acaba sendo considerado errado. Ora, não há caminho para a sabedoria que não passe pelo reconhecimento da ignorância, pela humildade das poucas certezas, e da percepção de si como alguém que erra ao tentar acertar.

O grande segredo do mundo

O que tem de mais secreto nesse mundo, o segredo que a todos é inatingível e inacessível, não é sua origem ou seu fim, se é que ele tem origem ou mesmo fim, ou mesmo a existência ou não de deus, é o orçamento militar dos diversos Estados. Isto sim é o enigma a nos devorar, o segredo bem guardado, algo bem transcendente ao comum dos mortais. A quantidade de dinheiro para fazer merda entre os homens é muito superior àquela destinada para sanar as cagadas. Têm-se mais recursos para destruir o mundo do que para construí-lo; se gasta mais para armá-lo, do que para educá-lo; o homem é o seu pior inimigo, o único ser que precisa temer. E, na minha opinião, não se deve pedir para ver as contas dos exércitos, mas eliminar essa conta do custo social.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Dizeres aleatórios

Estar vivo é estar só, ainda que acompanhado de um, de vários, ou mesmo na multidão. Ao dormir e ao acordar encontro-me; sou eu que, ao dormir, penso coisas particulares, sou eu que, ao acordar, sei que tenho coisas a serem feitas; disso falo apenas comigo mesmo. Vejo pessoas conhecidas, amigas, íntimas, mas ainda assim tenho uma reserva própria que omite coisas que sinto e penso. Posso falar de mim, e ainda assim pouco dizer sobre mim mesmo. Posso me descrever omitindo características importantes; posso revelar um segredo para esconder outros tantos. Esse solitário que me habita, que se recusa a participar da esfera pública, habitando apenas a órbita privada, não pode ser visto, muito menos percebido, pois que, ao estar em público, a privacidade fica retraída, submersa num amontoado de imagens que falam de si para esconder o que se é. Não porque seja problemático ser como se é, mas sim porque se cria um campo da privacidade que não se quer invadido, ou mesmo comentado, seja lá por quem for. Tenho defeitos e qualidades que só pertencem a mim mesmo! Não estão disponíveis aos demais, assim como acredito que só me mostram parte de si, não quem são de fato, para além das máscaras públicas. Estar só não é uma solidão, é uma exclusão do externo, é uma intimidade, é aquele espaço próprio que o outro não cabe, e se entrar, atrapalha. E esse espaço próprio só aparece vibrante e atuante naqueles momentos em que você não quer ver ninguém, em alguns com mais frequência, como é o meu caso. Eis porque moro só, há momentos que não quero falar com ninguém, nem ouvir; estou tão entretido comigo mesmo, que não tenho tempo para os demais. Chamam-me ensimesmado ou ruminante de ideias e pensamentos. Aliás, o que é escrever, senão um ato interior que se exterioriza em símbolos? Todo escritor precisa estar só para produzir seus textos. Todo leitor precisa estar só para entender os textos. Há muitas coisas que só nós mesmos podemos fazer por nós...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Nas mesas dos bares

Neste lugar sagrado para muitos, se discute o mundo e as mesquinharias, se toma resoluções, se briga e se faz a paz, toma-se partido de causas ou de políticos, se enamora e se separa, se faz e se perde amigos. Quem não bebe, como eu, não sabe apreciar com toda profundidade esse fenômeno cultural, tanto que pouco levo a sério o que dizem, muito menos as convicções pessoais. Naturalmente, só vou a esses lugares quando amigos me convidam, pois não disponho de recursos para esses luxos; como caro é a bebida, e não bebo senão água ou café, e como pouco, me contentando com as raspas e os restos, amigos sempre estão dispostos a financiar minha companhia, com os meus costumeiros comentários cínicos, com as observações escatológicas, ou mesmo com as merdas que solto aqui, ora ali, só para divertir, pois de bosta, todos sabem, basta o coco da vida. É claro, que é nos bares da vida que muitos se matam por mesquinharias, muitos brigam com garrafas em punho, muitos se perdem para os vícios; como em qualquer lugar, há muita porcaria. Meu interesse antropológico pelo ambiente e pelas conversas, mesmo para os acontecimentos intempestivos que tenha por ventura que assistir, de preferência bem longe de mim, servem para conhecer a verdadeira essência do homem moderno, que não se revela mais na fábrica ou no escritório, mas após a segunda dose, quando extrapola seu verdadeiro ser, que não poucas vezes não passa de um vazio, que perde o tédio na mesa do bar, com bravatas e palavras de ordens. O bar é simultaneamente o lugar onde as pessoas são mais honestas e mais desonestas, onde se afoga as mágoas ou se extravasa a raiva, onde se mente e gosta de escutar mentiras; o que de mais sério ocorre é o encontro fraternal entre amigos e conhecidos, e o que mais grave pode ocorrer são o fim de amizades. É óbvio que faço a conta de quanto gastam com isso e vejo que não é pouco, e que é sempre, mesmo não sendo sempre a minha participação, que como todas que faço, é com algum comedimento, entretanto, sei que a ocorrência é freqüente, para alguns diárias. Boas coisas saíram também das mesas dos bares, boas músicas, bons livros, boas pinturas, boas conversas, grandes achados, assim como grandes perdidos. Não sou daqueles que julgam os instrumentos humanos, acho que todos podem dar bons frutos quando bem usados; o problema são alguns idiotas e muitos imbecis que sempre se utilizam dos instrumentos sócio-culturais para saciar suas patologias psicológicas, sociais ou culturais. E daí se atribui ao meio o que pessoas fariam com esses ou outros instrumentos culturais. A fama dos bares que atraem os folgados, os vagabundos, os ociosos é verdadeira, como é verdadeiro que atrai muitas pessoas de bem, trabalhadores honestos, pessoas que só querem se divertir e se entreter, aliás, a grande maioria. Assim como na igreja tem pedófilos, na política ladrões, no comércio muito bandido, e nem por isso se condena as instituições a que pertence tais pessoas, não se deve condenar os bares, uma instituição tolerante, que abriga a todos; o que se deve condenar são as pessoas, pois que as instituições humanas, fruto dos atos voluntários dos seus membros que criam instituições públicas, para realizarem trocas, sejam elas materiais ou afetivas, não podem ser desfeitas pelo desfeito de alguns dos seus membros participante. O que de mais perigoso tem na mesa do bar é um lugar cativo, e o que há de mais inocente é a idéia de que será apenas uma dose ou só por alguns minutos. No mais, cada um é senhor de si e não serei eu a aconselhar as pessoas para deixarem uma das poucas instituições que acredito que retira a humanidade de suas obrigações e dos seus deveres, o que é por si uma virtude. O grande problema dos bares, é que enquanto muitos se divertem, muitos trabalham, no mais, a ideia de ficar sem fazer nada e jogando conversa fora, sempre me pareceu saudável, desde os velhos banquetes gregos.

Melhorar o mundo melhorando a si próprio

Não existe coisa melhor e mais benéfica para todos do que se esculpir de forma mais sábia; a melhora de si cria pessoas melhores à sua volta, que por sua vez vão se associando a mais pessoas que serão melhoradas, até que se criam grandes círculos virtuosos no seio social. Quem quiser consertar o mundo, tem que antes consertar a si, pois boa parte dos problemas estão em nós mesmos, e que, no frigir dos ovos, atualmente, se reclama mais da falta do supérfluo do que do necessário. Enquanto a perda do poder econômico for mais importante que a perda de virtudes éticas, que os fins financeiros suplantem os fins sociais ou individuais da humanidade, que dívidas a serem pagas forem mais importantes que aposentadorias, o mundo caminhará para a sua insolvência e na descrença coletiva de um interesse comum. Mais do que salvadores da pátria, uma abstração para os tempos globalizados, precisa-se de pessoas que busquem ser razoáveis, e se puder, ensinar os demais com quem convive a assim proceder. Ora, se querem baratear a dívida pública, cortem os custos dos exércitos, preferivelmente, acabem com as operações militares, e se perceberá quanto dinheiro se desperdiça com instituições arcaicas, que criam enormes dívidas, mas não promovem nenhuma forma de sanar o túnel infindável dos seus gigantescos custos. Os exércitos nacionais, hoje em dia, mais do que uma garantia de soberania de uma sociedade civil e de um espaço territorial, são uma ameaça a paz regional (pois quando um país se arma, seus vizinhos tendem a fazer o mesmo), a paz internacional e as sociedades civis sempre ameaçadas por quarteladas, caso se mexa no orçamento militar elástico e avantajado, afora o imenso custo social. Desarmar deve ser o lema, não apenas um desarmamento da sociedade civil, dos membros particulares da sociedade, mas do Estado, uma tomada de posição pela paz interna e pela concórdia externa. Coloquemos claramente que não somos ameaça a ninguém, mas nem por isso aceitaremos ou acataremos qualquer ameaça, pois ainda que não matemos pela liberdade, morreremos por ela, se preciso for. Desarmem principalmente o espírito dos preconceitos, das receitas prontas, do exemplo do passado, ou dos outros; é preciso inventar algo próprio. O grande tirano a ser morto, na maior parte dos casos, está dentro da própria pessoa. A grande mudança não está apenas na ação, mas na recepção da ação alheia e própria. Não basta agir bem, é preciso não querer punir quem age mal, pois o justo deve transcender a arcaica vingança primitiva. O que melhor fiz e faço pelo mundo é me fazendo como sou, uma pessoa que discute a vida aonde for e com quem esteja, não buscando seus enigmas, todos eles falsos ou tolos, quando não os dois simultaneamente, mas revelando a tolice diária das intermináveis filas que as pessoas domesticadas esperam pacientemente (ou não) a sua vez de serem atendidas. E se querem aumentar a arrecadação estatal, descriminalizem as drogas, o jogo, a prostituição, o aborto; além de aumentar a arrecadação com os impostos sobre tais produtos e serviços, não se gasta com a sua proibição e perseguição inútil. Enfim, se querem dinheiro para pagar as dívidas, arrecadem de quem só dá custo social, até o momento, e economize com o corte do custo com a proibição dessas atividades hoje clandestinas. Se não são as virtudes que podem nos salvar, os vícios pelo menos podem amenizar as dores dessa vida cujos ganhos não deveriam ser apenas financeiros. Não foram as proibições que amenizaram os costumes, ou eliminaram os vícios, mas a regulamentação daquilo que pertence a privacidade das pessoas que torna possível o convívio, e a tolerância com os vícios que não devem ser vistos como crimes ou pecados.

Da série pensamentos evacuados

Por boa que esteja a vida, o fato é que, de repente, tudo pode ficar ruim. E não se iluda, por mais ruim que esteja, sempre pode piorar ainda mais. A única coisa boa nisso tudo é que, enquanto sente dor, é porque ainda está com vida. E a dor é ilimitada até a morte, o alívio supremo. Ó como a vida é imprevisível em suas mudanças, pois que de coisa ruim também pode advir coisa boa, só depende da roda da vida e saber agarrar as oportunidades, que são poucas. Meu otimismo hoje está irradiante......

Dos esforços pessoais

Tudo que tenho devo aos meus esforços, nem mesmo minhas plantas resistiriam vivas se dependesse da chuva e não molhasse. Verdade que não tenho muita coisa, uma casa pequena e distante do centro, algumas roupas usadas, um computador obsoleto, um Blog, um cachorro, um gato e algumas plantas. E sim, tenho tempo para pensar na porcaria da vida e para encontros com amigos. Mas, fundamentalmente, sou mais bem definido pelo que não tenho, carro, dívidas, eletrodomésticos, profissão, trabalho ou emprego, telefone celular, família, partido político, religião e time de futebol. Ainda que tenha ambições, as mesmas não se realizam através das coisas, mas dos feitos, por exemplo, fazer alguém feliz ou encantar com algum comentário.
O fato incontestável é que tudo que tenho e sou devo a mim mesmo. A vida que não é de brindar a muita gente, também não me brindou com a sorte, e logo cedo percebi a necessidade do esforço. Desde que entendi que o homem é o senhor do seu destino, e não um paciente da história, pus a moldar-me para enfrentar a dura labuta de fugir do trabalho, esse aprisionamento social, que antes de satisfação, gera carnês de prestação. Fui paulatinamente construindo um lugar próprio, onde resisto heroicamente às tentações do consumo, utilizando o mínimo possível, fundamentalmente, água, luz, comida e algum deslocamento urbano. Do ponto de vista do capital, sou desprezível, pior que o avarento; se esse último aprecia e retém dinheiro, não deixando as mercadorias circularem, o que todo dinheiro deve fazer na visão dos tolos economistas, eu nem dinheiro carrego e tenho nojo da quase totalidade das ofertas do mercado. É verdade que uma pessoa só não faz a menor diferença para a humanidade, que está mais preocupada em adquirir alguma novidade que ainda nem foi lançada, do que em pensar sobre o que acarreta esse seu procedimento. E nesse sentido, só poucos suportam conviver comigo, pois quem suporta debater o consumo honestamente?
Não! Não posso culpar meus pais, professores, irmãos, concidadãos, o país, a época, o destino, enfim, nada nem ninguém. Eu me formei, ou como acreditam alguns, me deformei, exerci uma auto-formação consciente. Verdade que fui influenciado por muitos pensadores, mas tive com eles uma atitude canibalesca, absorvendo suas ideias no meu pensamento. Mas, fugi de ser um sofista, de receber para ensinar o certo, o justo, o verdadeiro, o belo e o apropriado, as ideias dos outros. É que percebi que para ser livre, não basta exercer a vontade, mas fundamentalmente não se submeter às vontades alheias, seja de um, de vários ou mesmo de todos. Tanto que nem títulos ostento, tendo como único documento o meu procedimento e a minha conversa. Tudo que tenho, que sou eu mesmo, trago comigo, e posso até querer ensinar ou dar, mas é preciso que alguém queira receber e até se esforce para tanto. Não posso ser roubado, pois tudo de valor que tenho são memórias, acontecimentos, ocasiões, pensamentos e intuições que se formam muitas vezes no calor de uma discussão. Enfim, nem para bandido tenho serventia. Eis uma das coisas das quais mais me orgulho. E se não consegui o amor de todos, o que seria até mesmo horrível, também não incorro no ódio de ninguém, quando muito, posso gerar algum desprezo e muita indiferença.
É o destino de todo livre pensador, ser um estranho no ninho, falar para poucos e ser entendido por menos ainda. Isso pode apavorar alguns, não é o meu caso, acostumado a ser voto vencido em qualquer deliberação, a ter a voz calada em alguns debates ou mesmo excluído de algumas discussões, devido ao radicalismo das minhas propostas ou das minhas observações. Por incrível que possa parecer, durmo aliviado ao não contribuir com a imundice desse mundo, além disso, sempre achei que as pessoas perdem mais me excluindo do que eu a elas. E se me perguntarem que futuro espero com isso, digo apenas que nada espero do futuro e que busco tudo agora, e que tudo que tenho que fazer é continuar a não fazer grandes coisas, que ao fim sempre gera muito lixo social, começando na embalagem do produto e findando no descarte do mesmo no lixo. Se advir algum reconhecimento, será pelo que não fiz, pois tudo que faço me parece apenas a minha obrigação de cidadão do mundo. E se falarem de mim, falarão: “eis alguém que cagou pouco, e não por prisão de ventre!”.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Desabafo

Seu direito de comprar um automóvel diminui até quase paralisar a minha liberdade de circulação de condução pública. Isso agrava-se sensivelmente no fim de ano.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Velhas novidades antigas e inovadoras

Refiro-me as palavras. Que posso dizer senão que as palavras permitem muitas coisas, mas principalmente a brincadeira com os sentidos. Que ainda que os termos sejam antigos, os usos e abusos dos mesmos são novos, fora o que se inventa; que a palavra envolve, desvela, acoberta, simula, espelha, reflete e expande sentidos; que não têm dono e qualquer um pode sair por aí a significar novas coisas com velhos termos. Que se constrói e destrói mundos, pessoas e coisas com elas. No mais, só mais algumas palavras para terminar algo que nunca tem fim, seja pela criação de novas palavras, seja para novas significações que se pode obter de antigos termos. O fato é que, com elas, o fim pode estar no aqui e agora ou no depois, enquanto com um simples pulo de mais algumas palavras, cá está o ponto final. Não porque terminou, mas porque se tem que encerrar.  Quando tudo pode ser dito, é preferível se calar.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Sobre a verdade

A verdade é que ninguém quer saber dela, essa ilustre excluída, mais que desconhecida, a começar pelas pequenas verdades. Nem é tanto que não conheçam, o que já seria um problema sério, o que apavora é uma certa aversão a conhecer verdades, elementares ou não. Não sabem e têm aversão de quem sabe. É que parece que a verdade só existe para estragar os prazeres, para revelar as baixezas e a crueza dos fatos, contendo certa depreciação, a triste certeza do engano, do erro, do equívoco, da falsidade, quando não da própria maldade, essa coisa que se incorre em algum momento ou outro. E eu que normalmente aprecio o que ninguém gosta, aprecio algumas verdades, e por isso sou condenado pelas mentiras que não cometo ou pelas falsidades que não enuncio. Não! Não lamento as verdades que não existem, mas aquelas que dizem que existem sem outra evidência que suas convicções, que posso até respeitar, se merecerem, mas jamais aceitar como prova.  A grande verdade é que existem inúmeras mentiras e infindáveis falsidades, e a função de uma pessoa razoavelmente honesta não é tentar acabar com estas, mas enunciar a sua verdade: a veracidade tem o estranho dom do convencimento pela impossibilidade de rebatê-la com os fatos, pois que esses já se apresentaram na sua enunciação.

Humano, demasiado desumano

A ciência já não pode destrinchar o ser humano. Tudo precisa passar antes pelo aval de algum comitê intrometido, para ver, não se tal método chega à verdade, ou mesmo se a verdade é razoável, mas se a busca da verdade não interfere em direitos supostamente inalienáveis. Direitos que nem precisam ser rompidos de fato, basta que sejam supostamente ignorados em alguma remota hipótese, e tornar-se assim uma fonte de renda para advogados, prontos para imporem a tirania dos direitos através de infindáveis processos. Entender o homem, ou melhor, tentar, tem se tornado um exercício burocrático e jurídico, não mais algo epistemológico, cheio de processos transitando por organismos governamentais, prontos a barrar o que não entende. O fato é que não se encontra mais as verdades sem cometer várias ilegalidades jurídicas: a polícia que o diga! Não se pode pressupor que o certo está completamente errado, que o justo é no mais das vezes bastante injusto, sem cometer vários ilícitos penais. As verdades dos fatos devem se adequar e estarem submetidas às leis jurídicas, coisa mais imprecisa e falaciosa. Por sorte, minhas pesquisas são livrescas, nem precisam de financiamento, caso contrário, há muito tempo teria abandonado esse projeto ambicioso de escrever a História Universal da Ignorância: como antes de sabermos que estamos certos em algum momento, como agora, sabia-se que estava errado antes; como atirando num alvo, se acerta em outro quando se inicia uma pesquisa; que o acerto é raro, temporário e incerto. E sem dúvida, a ignorância tem sido mais a grande condutora da humanidade, que supostamente sabedorias, que, invariavelmente, algumas gerações depois, serão consideradas ignorâncias e superstições. Viajando pela história humana se vê quantas tolices pareceram razoáveis, quantos medos eram irreais, superstições, quantas barbaridades se cometeram em nome da verdade, que logo depois se revelaram falsas ou mesmo mentirosas. A mentira e a falsidade imperam pela trajetória humana, assim como a sua carnificina, hoje amenizada, mas ainda presente. Que a capacidade de cometer o suicídio e a mentira é que nos distingue dos demais animais, não a razão, ainda que seja a razão que nos dá essa possibilidade de exercer tais atos. Enfim, fazer uma história mais realista do ser humano, menos antropocêntrica, menos racional, salientando não a ausência da racionalidade, mas antes como a mesma se submete as paixões, como opera com princípios sem provas imparciais, como induz mais que deduz os fatos, como seduz mais do que convence os demais. Por fim, mas não menos verdadeiro, mostrar como as desgraças de alguns resultam num ganho para outros, que mesmo a morte traz lucro, que o crescimento de alguns ocorreu pela apequenamento de muitos, que a vitória de um acarreta na derrota de vários. E que tudo que se afirma que é desumano é tipicamente humano: a crueldade, a vingança, a mentira, a inveja, a cobiça, o estupro, a morte banal e torpe do semelhante, e que a justiça no mais das vezes é apenas um termo da linguagem usual, mais que uma realidade avistada em fatos, gestos ou ditos.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Da série pensamentos evacuados

Quanto mais vejo como a Europa está se enforcando nos seus próprios intestinos, mais agradeço de morar no cu do mundo, bem distante das instâncias decisórias e do centro de atenções internacionais, que hoje propõem o suicídio da sociedade civil para salvar o falecido e excremental sistema financeiro. E enquanto o continente chafurda-se em suas próprias bostas, o resto do mundo vê um bom negócio, algo para comprar barato, pois que crise, muitos sabem, é também o momento da oportunidade; mais do que o fim, enxergam a mudança e a novidade. Hoje, no mundo, se tem mais dívidas que bens para pagá-las. Endivida-se até as dívidas!

Não tenho dono, nem sou dono de ninguém!

Não tenho patrão, chefe, superior, governante ou senhor que possa me impor o que quer que queira. Não me submeto inteiramente nem a mim mesmo! Não tenho pátria, ainda que viva numa; não tenho família, ainda que descenda de uma; sou um cidadão do mundo, pessoa, gente, um indivíduo médio que se avista por toda parte, cuja grande peculiaridade é não ter peculiaridade alguma. Estou dissolvido na multidão, que apresenta excrescências bem piores que a minha, bem mais notáveis, prejudiciais aos demais. Não é o meu caso que, se ajudo pouco, não prejudico ninguém. Desfruto de autonomia, sigo as minhas normas sem nada obrigar aos outros, planejo o meu destino e almejo apenas coisas primárias: não ser infeliz e com o menor esforço possível. Há aqueles fracos que se ajoelham diante de qualquer autoridade, até mesmo dos farsantes dos sacerdotes; esses são escravos dos seus medos. Se vê pessoas ajoelhadas diante do amor, da amizade, da inteligência, da camaradagem, que mesmo sendo causas supostamente nobres, só são dignas quando erguem as pessoas, nunca quando as ajoelham. Sou daqueles que exerce sua liberdade com muita dignidade, erguido, livre de tudo e de todos, e deixando todos livres; preocupado mais com a busca da felicidade do que com algum tipo de excelência tão bem quista pelo mercado, do qual, sinceramente, quero uma distância razoável, de tal modo a não me deixar vender ou comprar como qualquer coisa barata, como aquilo que está se tornando as pessoas, coisas mais do que descartáveis, deletáveis! Ninguém quer mais habitar o mundo, todos querem entrar em algum arquivo grande, viver em rede, falar com milhares de pessoas sem dizer nada de significativo, e não ser deletado lá de dentro; não há nem grandes gestos, nem grandes dizeres, tão somente uma triste ladainha do mesmo. Nem a violência dos costumes consegue me coagir a desistir do meu caminho, que não tem grandes passos, apenas passos próprios, pequenas vitórias contra a mediocridade da vida contemporânea. Se não estou livre de ser um medíocre, pelo menos serei autêntico, sem me espelhar na idiotice alheia. Muitos me agradecem por ser como sou, sendo solteiro e sem trabalhar, sempre estou disponível, até mesmo em horário de trabalho. Quantos podem contar com alguém para passar a noite em claro conversando sobre as cagadas humanas? Quantos estão disponíveis para ouvir pacientemente seus infortúnios ou falsos sucessos, e ser capaz de mostrar que a coisa poderia ser bem pior, ou bem melhor, e você acabar descobrindo que seu sofrimento é pequeno, ou que o sucesso é irrisório, diante das dores do mundo? Enfim, carrego minha existência sob leme próprio, trafegando com as pessoas pelos caminhos que traço e destraço a cada dia, trocando experiências existenciais sobre a porcaria diária que se avista por toda parte. Sou daqueles poucos que não carrega suas infelicidades por aonde vai, elas só existem enquanto ocorrem, e logo depois até esqueço que existiram; não merecem meus lamentos. Mas, também não exalto a felicidade, essa coisa passageira e extemporânea, ocasional; via de regra, contento-me com um dia após o outro com pouca ou nenhuma dificuldade. Se há alguma sabedoria em mim, é saber que fui feito para as pequenas coisas, cuidar de árvores, cachorros e gatos, nunca de gente, de que há mais valor numa conversa do que na maioria das coisas que o dinheiro pode comprar, e me refestelar mais com os amigos que tenho que nas coisas que possa conseguir.

Ruminação n° 3

Eis que aqui estou. No privado, dentro de mim? Com certeza..... mas, eu que aqui estou privadamente, não sei onde estou em mim, no meu corpo, e ainda assim vejo tantas coisas dentro de mim. Esse privado tem um pouco de intimidade, de coisas particulares, de percepções, sensações, pensamentos, emoções, razões, imaginações, relações, problemas e tantas outras coisas para as quais não encontro palavras. Talvez, o mais privado de (e para) mim: eu mesmo. Todavia, isso nunca me preocupou e não será agora que irá começar. Se está na alma, no corpo, em ambos, em nenhum, pouco importa, o que importa é que esteja em mim, esse ser que escreve essas palavras (que agora escrevo e que agora lê, feitos em momentos diferentes, mas que ocorrem agora também). Tenha ou não tenha alma, mente, razão, consciência, esteja certo ou errado, sou eu que digo essas coisas, erradas ou certas....., ou não?
Por que as palavras? E por que escrever? Para falarmos do mundo e de nós, entre nós, para nós, e até com nós mesmos. Que esse privado me pertence seja verdade, só conheço-o porquê uma série de palavras que me ensinaram ou aprendi por conta própria (permitido a mim mesmo com um pouco de auto-determinação metafísica nos momentos de ócio) me apontaram sua significação, que só se completa com o aval público, que lhe aponta o lugar entre os homens. E boa parte das palavras aponta para coisas que não podem ser indicadas com o dedo ou ser mensuradas, como amizade, amor, afeto, certeza, dúvida, pois ainda que possa sentir ou pensar individualmente, eles dependem para existir do outro (seja esse outro um, vários ou mesmo todos), que me diz o que não percebo por mim mesmo. Vingo-me fazendo o mesmo a todos. O que não pode ser negado é que a significação privada, para poder existir plenamente, precisa do público, sem o qual, aliás, não seríamos nada, nem ao menos privados, pois sem a platéia a nos assistir, nada somos ou representamos. Seja lá o que seja, sou o que faço entre os homens, pelo que merecerei ser lembrado ou devidamente esquecido.
Quanto às palavras, penso que, não a razão (essa coisa comprometida com a certeza), mas a razoabilidade nos indica que se conhece muitas, usa-se poucas, que muitas são confusas, outras não indicam nada, que muitas são ambíguas, assim é aconselhável apropriar-se delas com muito comedimento. Aristóteles diria para não pegar os termos muitos grandes (extensos em significação), nem os muitos restritos (pequenos de conteúdo), mas o meio termo. Mas, nunca fui aristotélico, acredito no exagero e no excesso como virtudes, por exemplo, contra os atos injustos.
Por outro lado, nunca substituo algo que não sei, por algo que sei menos ainda. Se não sei onde estou, não pressuponho saber. Haja mente ou não, interno e externo, consciência, entendimento, autonomia, liberdade todos esses termos e muitos mais, me aproprio apenas quando quero significar algo para os demais, quando quero indicar algo que me parece significativo ou relevante para ser levado em conta, e, talvez, só naquele momento.
Assim, arriscando que exista liberdade, a possibilidade de agir por algum tipo de vontade própria, que permite a ação que escapa ao comportamento usual, ouso tecer alguns comentários pessoais (que podem ser privados, particulares, próprios e até mesmo impróprios (o que, no caso, escapa ao controle do emissor), ou nenhum deles), que se espera privado, mas que são públicos, mesmo que o público seja de uma pessoa só, e são também virtuais, seja pela virtualidade do veículo de comunicação, seja pela virtualidade dos sentidos que se pode ter ou induzir.
Naturalmente, se fosse para fazer um chute de onde está o “eu”, se na alma, no espírito, na mente, no cérebro, é público e notório que optaria pelo intestino; somos muito mais intestinais que supõe a vã filosofia, apenas a nossa auto-estima elevada não permite perceber, que mais que idéias, temos gases, e que endiabrados pelos odores fétidos deles, incautos acabam realizando enormes cagadas. Todavia, a rigor tudo no corpo é necessário para sermos o que somos, no corpo que conquistamos com os nossos esforços ou relaxos, dentro dos limites que a natureza estabeleceu e estabelece: sexo, idade e herança genética de saúde ou patologias. E seria tolo brigar por um lugar privilegiado onde isso ocorra em nós (e não apenas dentro, ou no corpo, não apenas em substâncias biológicas, mas também de forma eminentemente simbólica!), visto que qualquer um que tenha qualquer parte ameaçada do seu corpo, sente como uma ameaça a si mesmo.
Por fim, mas não por último em importância, tenhamos ou não alma, mente, razão, consciência, intestino ou qualquer outra designação que se queira dar como responsável pelo nosso egoísta (para não dizer mesquinho) “eu”, são palavras que designam a nossa realidade simbólica, e sua evidência é totalmente terminológica. Assim, não estranho as designações dos inexistentes no meio de tantas coisas supostamente existentes, pois os termos existindo, são inevitáveis as relações que fazem com eles. O problema quando se tem muitos termos para designar algumas atividades humanas, é que, de fato, não se tem nada de muito explicativo para demonstrar com eles. Metáforas não nos faltam para falar do homem, nem para distingui-lo dos demais animais, entretanto, quase todas, mais do que distinção, apresentam qualificações dos homens ou desqualificações dos animais.
Quanto às ciências sociais e biológicas, até o momento, carecem de isenção, carregadas que estão por uma terminologia moral, estando assim incapacitadas para tecerem opiniões que possam ser aceitas pela comunidade dos homens. Moralizam os pequenos gestos, descrevendo-os em forma de patologias e vícios, vendo purezas e impurezas por toda parte. A busca de uma normalidade inexistente cria uma anormalidade social, de alguns acharem que sabem o que é normal ou não para todos, e em todas as circunstâncias, além da anormalidade de algumas especializações de se alçarem as únicas a diagnosticarem as patologias individuais ou coletivas, e o que é pior, a sua cura!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Deputados aloprados

Deputados paulistas que só servem ao bem público quando nada fazem, pois quando fazem alguma coisa, fazem as coisas erradas, quando não ilegais, resolveram errar mais uma vez. Inventaram uma lei que o motoqueiro ou a motoqueira não pode mais dar carona. Por que? Porque bandidos costumam utilizar esse veículo para cometer seus assaltos e todos nós parecemos suspeitos. O racional (se é que é um problema legal assaltos ocorrerem, e os deputados não estão se intrometendo naquilo que não têm competência, supondo metafisicamente que possam ter alguma competência) seria fazer leis para coibir a bandidagem, mas como nos consideram idiotas, as autoridades policiais incompetentes, e temem serem assaltados dessa forma, criam uma lei para só eles se beneficiarem de suas covardias, sem se importarem com as milhares de pessoas que compraram esse veículo para se locomover, em grande parte em duplas, de forma mais econômica ou ágil, ao seu serviço ou ao seu lar. Os honestos estão proibidos de ir e vir como bem quiser, porque alguns poucos desonestos se utilizam de seu tipo de veículo de locomoção. Até onde me consta, caríssimos maus legisladores, bandido também usa carro, caminhão, ônibus, enfim criatividade não lhes falta.   
Se temo os bandidos das ruas, temo mais os bandidos dos deputados, brigando por migalhas e fazendo pequenas leis. Não têm e nem propõem princípios; não enfrentam as causas, brigam com os efeitos, transferindo os problemas de um setor a outro da sociedade. Se paga muito por coisas que não tem nome feio suficiente para designar, feitas as escondidas, no corredor, na calada da noite, que chamam interesse público, mas atende apenas aos interesses privados de alguns poucos, como direi, comparsas? Não! O termo não é forte para expressar a indignação, e por que não dizer, o nojo dessa merda toda que se faz com a coisa nacional, além da grave ofensa que causam à minha inteligência. Não é à toa que a população tem tanta diarréia! E o que é pior, tudo escorre, em grande parte, à céu aberto. Já os privilégios que são dados aos deputados, esses não param de crescer (e escorrer) de forma bem anti-republicana.

Por que tudo se inicia no intestino?

Seja lá o que o homem pensa ou faça, sempre acaba em merda.

Máxima outroalgueniana

Para cada imbecil que se mata, por suicídio, cigarro, bebida ou outras coisitas mais, há cem idiotas a nos atormentar. Os desregrados prestam um serviço ecológico ao mundo e uma camaradagem com todos demais.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Notas sobre o meu existir N° 16

Levantei, como sempre, sem ânimo, visto que, se acordamos, invariavelmente, temos que fazer coisas, o que nunca foi do meu agrado. Chegando ao banheiro notei um ar estranho no ambiente. Todos olhavam, apontavam, falavam de mim. O quê ou porque, não suspeitava. Afinal, na minha consciência nada fizera de diferente, e mesmo que não usasse sabonete, era público e notório que fedia menos do que muitos que utilizam de todos os artifícios da futilidade humana para esconder sua fedentina própria. Fiz como sempre, as necessidades básicas.
Ao me direcionar para a saída, um dos meus seguidores entregou sorrateiramente um bilhete, que li no caminho do calvário da missa matutina. Dizia:
A visita da sua mãe gerou comentários, visto ser em dia e época imprópria das visitas de todos nós. Acreditam cada vez mais nos seus poderes mágicos para obtenção dessa regalia. E alguns heréticos espalham por aí histórias de que é uma criança mimada por ela, chamado de Magrela, provavelmente, tentando diminuir seu feito de obter essa regalia”.
Bom, agora sabia o motivo. Insuportável era ouvir os risinhos de alguns, o medo nos olhos de outros, e até o padre vigilante, que sempre me tratou com algum temor, dar alguns sorrisos e parar de ficar me vigiando ininterruptamente como era seu costume. No café da manhã, um dos maiores e mais fortes da turma dos veteranos, quase padre, que desde a minha entrada procurava motivos para me provocar e eu esquivava-me, como me esquivo de tudo que dá trabalho, atravessou o salão bradando:

- E aí Magrela, mamãe veio passar talquinho no nenê?

Calmamente levantei os olhos e vi aquele mastodonte se dirigindo até mim. O padre vigilante só olhando, sem interceder. Todos observavam atentos o que estava por ocorrer. Estacionado na minha frente, com os braços cruzados para enaltecer a musculatura, disse quase cuspindo:

 - Fiquei sabendo que você é um filhinho da mamãe, que chama você de Magrela, um apelido feminino como você. Você devia estar num convento!

Todos riram, ou quase. Eu não e acredito que mais alguns também me seguiram nessa atitude. Levantei, e como não sou pessoa de sair por aí gritando, disse singelamente:

 - Não sei o que sua orelha de asno ouviu de algumas cavalgaduras que lhe são próximas, mas certamente grunhidos de animais não conseguem descrever a riqueza da convivência humana.

Nisso os 4 que assistiram meu encontro com minha mãe, levantaram-se e vieram se juntar a ele, e todos na minha frente disseram unisonicamente:

 - Repete se é homem!

 - Senhores, todos sabem que minha força não é bruta, é de outro quilate.

Agarraram-me pela batina de tal modo que meus pés mal alcançavam o chão. Ainda sufocado, disse com voz firme.

 - Mesmo um paquiderme que coloca o tigre para correr, morre com a picada da serpente! Vocês podem me por para correr, mas não escaparão do veneno da verdade que foi lançada aos quatro cantos desse salão.

Nisso o padre vigilante intercedeu, pois era visível que estavam para iniciar uma carnificina comigo, o que, devido às minhas pequenas dimensões, não demoraria mais que alguns breves minutos para ser completamente destrinchado.

 - Vamos parar com isso. Lembrem-se da palavra do senhor, perdoai!

Ninguém perdoou ninguém. E cada um foi para as suas obrigações diárias, eles cuidar do jardim, eu da lavoura. E enquanto cuidavam do jardim, eis que uma serpente pica bem na jugular daquele que me afrontou, vindo a falecer poucos instantes depois.  O soro antiofídico aplicado de imediato foi de fato um desperdício. Ocorreu uma comoção local e os boatos começaram a correr soltos. Era um falatório generalizado, todos me interrogando, muitos fugindo de mim, outros se ajoelhando e pedindo perdão por coisas que nem sabia que tinham feito contra mim, e muitos, mais do que gostaria a maioria dos padres, agora quase me venerando como um profeta, e outros tantos me temendo como um demônio.
Monsenhor chamou a todos para o pátio e começou seu discurso:

 - Senhores! Nós somos seres racionais, a grande maioria adulta, não podem continuar a acreditar nesses boatos, provavelmente lançados por ele próprio, que esse pirralho (nitidamente apontando para mim, que já via as pessoas se afastando) tenha poderes sobrenaturais! Vou mostrar a todos como deus está do nosso lado, e mesmo que esse infeliz pudesse ter os poderes que falam, mesmo que associado ao demônio, ainda assim, nós o venceríamos, pois carregamos a cruz de cristo!

Saiu do púlpito e se dirigiu na minha direção, pegou-me pela orelha e começou a puxar com força exacerbada, nisso tropeça, cai e quebra o braço que até a pouco puxava o meu inocente instrumento de audição.
Todos olharam para mim, mas nem o padre vigilante quis falar ou tocar na minha pessoa. Confuso e sem saber o que fazer, perguntei:

 - Vou para o claustro, para o cadafalso ou volto para as minhas funções?

Silêncio profundo. Fui em direção do meu claustro, mas comecei a ser seguido não apenas pelos 7 discípulos iniciais, mas agora por 12 seminaristas. E enquanto a grande maioria estava atordoada tentando levar o monsenhor para o ambulatório para os primeiros socorros, antes de se aventurar horas de barco até a cidade mais próxima com hospital, nós fomos para uma parte sombreada. Tinham muito para perguntar, pena que as respostas que iria oferecer certamente não atenderiam as expectativas de todos, visto que a visita da minha mãe devia-se ao poder do meu pai de interceder junto às autoridades, e o restante a roda da fortuna nas suas inesperadas voltas realiza alguns caprichos ao acaso. E eu era apenas a pessoa errada no momento inoportuno, que por vezes falava demais devido à jovialidade da carne.
Enquanto olhava todos voltados para mim, esperando que me manifestasse sobre o ocorrido, vi ao fundo o barco saindo levando o corpo inerte do brutamonte, mais o monsenhor reclamando de dores se afastando rio acima, mais o piloto e outros dois, um padre e um veterano. Falei:

 - Olhem! Lá vai o barco com o monsenhor.  Com essa pressa, espero que não sofra algum acidente.

Maldita boca, o barco virou antes de fazer a curva do rio e sumir de nossas vistas, como todos que o ocupavam.

Congresso do sono

Fui convidado para um congresso internacional sobre o sono, motivo pelo qual me ausentei ultimamente da minha vida virtual. Haveria abordagens médicas, psicológicas, sociológicas, antropológicas, econômicas, e um amigo (sic!) resolveu que poderia fazer uma abordagem filosófica desse fenômeno. Após cansar-me de recusar tal convite, acabei cedendo e fiz minha comunicação. Nela abordava a saudável e importante questão do sono: quanto mais as pessoas dormissem, menos bobagens faziam, diziam ou pensavam. Ao fim da minha comunicação, lida monotonamente durante duas horas, todos dormiam. Considerei um sucesso e bastante apropriado à temática levantada. Aliás, no que me diz respeito, todo congresso foi pleno de sucesso, quase todos dormiam durante as palestras, conferências e comunicações. Eu mesmo tive dificuldade para acordar ao fim desse encontro e voltar aos meus afazeres, ou melhor, ao não fazer de sempre.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Estudos comparados

Estou cansado de ver “cientistas” realizarem estudos comparativos entre homens e animais, quase sempre com símios, sendo chimpanzés e orangotangos os preferidos, e tirarem um monte de conclusões obsoletas ou estapafúrdicas.  Creio que estão equivocados. Se for para fazer comparações ou analogias que escolham os vermes, seres rastejantes ou os parasitas, muito mais apropriado para entender a alma humana.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ruminação n° 2

Muitas vezes fico calado e parece que incomodo as pessoas com o meu silêncio; deveria dizer alguma coisa ou perguntar. Posso até desaparecer temporariamente, o que muitos acham estranho. É que a minha vida interior me dá algo que pouco gosto: trabalho. Sim! Ela me ocupa por mais tempo que gostaria, desafiando a tomar atitudes, assumir verdades, esclarecer o meu comportamento em diversas situações, enfim, a voz da consciência me atormenta, e nem tanto porque fiz algo errado com os demais, mas porque não me portei certo comigo mesmo, ou fui injusto com alguém por algum tipo de imaturidade emocional. Por vezes, demoro a pedir desculpas porque só percebi meu erro muito tempo depois. Tem vezes que gostaria de voltar no tempo e refazer o que fiz, e a impossibilidade do retorno rumina na minha mente a minha incapacidade de fazer o certo em determinados momentos. Não que cobre a perfeição de mim mesmo, longe de mim tal pretensão, o que é lamentável são os erros grosseiros, frutos da insensibilidade ou da inteligência estreita, ou de alguma precipitação. Tais revisões internas tomam tempo, me torna arredio e ocupado, pois quando sou eu mesmo o centro das minhas atenções, trato-me como o mundo, como algo que não merece clemência por seus equívocos rasteiros, e fico investigando todos os meandros, até mesmo as coisas insignificantes. Sei que, com isso, me torno cada vez mais solitário e que venho aumentando esses momentos de solidão, talvez, perigosamente. Mas, se não consigo ser surdo aos demais, como seria surdo comigo mesmo? Tenho uma amiga que fica preocupada com minha solidão, temendo que enlouqueça e me aconselha a falar o que sinto e penso, senão para ela, para alguém, o que digo que não há muito que dizer, visto que não tenho frases para muito do que sinto e penso, e que tudo são fluxos de imagens, que se alteram ou por vezes se repetem, de coisas que gostaria ou de coisas a ser feitas. Verdade que também sonho muito, imaginando um mundo melhor, menos humanizado e mais arborizado. Também passo muito tempo olhando plantas e bichos, que por vezes tenho mais simpatia do que com os humanos. Tudo isso me distrai por algum tempo de alguns engasgos sentimentais, quando nem sei o que sinto ou o que deveria sentir. Se me perguntam se temo a loucura, digo não, temo antes uma aguda consciência da realidade e a minha incapacidade de aceitá-la e conviver harmonicamente com a vida. Tenho sérios conflitos com a existência!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O vício da virtude

Nada mais enganoso que as virtudes morais, prontas a limitar nossas vontades e nossos desejos, a nos impor modos e comportamentos, a nos tornar falsos e afetados, criando em todos uma clandestinidade de sentimentos e desejos. Todos querem parecer bons e justos, sem ao menos saber se são possíveis tais fenômenos entre humanos, que voltados para si mesmos, mas se comparando aos demais, querem ser melhores que os outros, mostrando qualidades mesmo que não as tenham. Alguns falam que a honestidade é uma virtude, para mim é obrigação; outros falam que a piedade seria outra virtude, o que pode ser cruel quando empregada impropriamente, e representa um sentimento de petulância ao achar que está acima daquele ou daquilo que tem pena. A virtude política é a única que nos é dado possuir, mas essa a maioria quer distância, quando não tem também muita desconfiança da sua possibilidade, e mais ainda de sua efetividade. Quanto a mim, há muito desisti das virtudes, para não adquirir vícios, que sempre as acompanham; tudo na minha vida tem o objetivo de me deixar feliz e não tornar ninguém infeliz, e, quando possível, compartilhar da felicidade e infelicidade dos demais, assim como a minha. Não sou escravo de regras e modelos, nem ambiciono ser considerado moralmente bom. Não me comparo aos meus iguais, seja para perceber alguma superioridade ou inferioridade, nem acho que possa ser melhor ou pior que os demais, apenas defendo com pouco esforço meu ponto de vista, que sem a pretensão de ser certo para todos, é para mim, o que no fundo é o que mais importa, pelo menos assim o sinto. Particularmente, propugno a amoralidade social numa ética republicana: que cada um cuide de sua vida privada e que se porte bem publicamente!

Cagatina

Tem gente que caga na entrada, tem quente que caga na saída, tem gente que caga durante, tem gente que se caga e tem gente que caga nos outros. Tem gente que caga antes e tem gente que caga depois, tem gente que só caga. O fato é que se caga. E não é caganeira, pois daí bastava um remédio para curar, é uma questão de atitude imprópria no momento incorreto, o que nem sempre se aprende a evitar. De minha parte, posso garantir, aprendi muito com minhas cagadas, talvez, mais do que com os acertos. Mas, cagar, não é algo inevitável, pode-se errar de formas menos grotescas, pode-se remediar a maior parte dos equívocos e se desculpar pelos que não pode; pode-se também acertar algumas vezes. O problema não está em cagar, pelo menos não quando se percebe que cagou e tenta corrigir ou remediar, o problema é quando se descarrega ou se distribui a merda própria aos demais, e não reconhece a própria cagada: espalha a fedentina ao invés de saneá-la.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A falta de radicais

Não há mais idéias radicais, ainda que haja idéias extremistas. Não há propostas de fim do governo, do Estado ou das leis, como advogo desde a juventude, nos partidos ou nos organismos políticos. Não há aqueles que defendam o fim do desenvolvimento econômico ou social. Existe uma aceitação quase universal da crença de que o contínuo avanço tecnológico e econômico, a ininterrupta expansão dos recursos econômicos, o padrão constantemente crescente do bem-estar material, são os principais propósitos da vida social e da ação política, sendo também os principais critérios para se julgar o sucesso e a validade de uma ordem social. Não existem grandes partidos ou grupos de pressão verdadeiramente radicais. O desejo de não perturbar o equilíbrio, por incômodo que ele seja, continua poderoso, avassalador. A tranquilidade política e o consenso tornaram-se, aparentemente, o interesse dominante. O tédio que sinto não é à toa. Ninguém mais quer discutir, todos se apressam em aderir.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Indignados do mundo, uni-vos!

Estou gostando de ver, um monte de gente sem fazer nada, senão reclamando da vida endividada em que nos metemos, acampados diante dos grandes centros financeiros e estatais. Governos e financistas na berlinda, eles que sempre assim nos puseram, e nos põem, ainda que se proteste, agora ao menos estão sendo cobrados a fazerem sua parte do sacrifício. Alguma coisa está no ar, fedendo, apodrecendo, e o novo urge diante de tantos que já não avistam lucros, ainda que enriquecendo; não se quer mais restabelecer a ordem econômica e social, mas alterá-la ainda que não se saiba para onde. Parar a roda econômica será com certeza um grande ganho de vida. Deixar o dinheiro e sua lógica para o passado, será um lucro existencial! Não se quer mais dinheiro, se quer mais qualidade de vida! Não se quer que Wall Street ocupe mais as manchetes dos jornais, mas as flores dos jardins e das praças, ou as frutas da estação! Não queremos ser informados sobre a cotação do ouro ou os índices das bolsas de valores, mas antes dos lugares encantadores desse mundo que se tem que conhecer. No mais, se tivesse barraca e como chegar até lá, montaria tenda com os companheiros que lutam contra o que está acontecendo e a favor de qualquer coisa que seja diferente e menos estressante.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ruminação n° 1

Gostaria de dizer coisas tão sábias quanto leio; gostaria de falar coisas tão belas quanto ouço; gostaria de esclarecer tanto quanto fui por tantos, porém, coube a mim apenas o papel de falar das merdas dos homens, enquanto pessoa, enquanto o que faz. Papel esse que muitas vezes pode ser usado como papel higiênico, o que significa, ao fim, de alguma maneira, que ainda pode ser útil. O outro fim natural dos meus escritos tem sido a fogueira ou o lixo, o que talvez dê no mesmo. Naturalmente, reivindicaria um fim melhor se pudesse, mas vivo no mundo real e não tenho ilusões, jamais poderia ser o que não sou, alguém que serve aos demais. Minha função nessa vida não é ser útil, ainda que isso possa eventualmente ocorrer, mas antes mostrar a inutilidade de quase tudo. Não falo do bem, pois que o assunto seria pouco; falo do mal que é bem mais extenso, e porque não dizer, instigante. Não falo do belo porque sobre esse há pouca concordância; falo do feio, bem mais abrangente, e sobre o qual ocorre às vezes até unanimidades. Não falo do justo, assim como não falo de deus; não falo de coisas que não existem senão como termos da linguagem. Falo do injusto que a todos envolve, seja sofrendo, seja praticando. Por fim, mas não menos importante, por vezes sou mais sincero calando-me do que falando; sou daqueles poucos que ainda acredita que toda merda deve ser transformada em adubo, e não simplesmente ser exposta ao público.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A condenação futura da atualidade

Fomos condenados pelas gerações anteriores a viver as idiotices atuais, e estamos condenando as gerações futuras a permanecerem tais e quais, talvez, apenas um pouco mais rápido e ávido. O que consola é saber que alguns poucos, como eu, escapa dessa aparente inexorabilidade: não fiz filhos e não posso ser responsabilizado pelas gerações futuras, pelo menos não pela sua existência. Quanto à sua forma de ser, tivesse possibilidade de influir nos destinos humanos ou nas gerações futuras, faria parar para pensar no que estamos fazendo, pois nada fazer é melhor que fazer coisas erradas. Mas, quem me dará ouvidos? Quem ouvindo, concordará? Quem concordando, agirá? E quem agindo, fará o certo? O fato é que, uma das razões que me levaram a não ter filhos, afora o trabalho de quem nunca fui amigo, é não ter dor de consciência de condenar um ser humano à mediocridade de nossa existência. Basta a mim para carregar essa dor de assistir, não calado, pois não sou disso, mas ainda assim impotente, vendo como tudo caminha para o caos e nada poder fazer para alterar esse destino, sofrendo antecipadamente o que invariavelmente acaba ocorrendo, quando sofro mais ainda. Não fosse isso, seria uma pessoa feliz, viveria em paz no meu mundinho, cuidando tão somente da minha sobrevivência e dos meus poucos afazeres. Mas, não! O mundo barulhento e fedido ofende meus ouvidos e minhas narinas, afora que não consigo ser insensível à dor alheia, que se revela para todo lado que se olhe. Quem poderia ser feliz num mundo de infelizes? E o que é pior, inconscientes de suas infelicidades, disfarçadas pela ilusão da necessidade de se esforçar para conseguir e da esperança de algum sucesso no futuro. Se não é a esperança que move o mundo, sua ilusão torna todos acomodados às mudanças que ocorrem para tudo permanecer igual. Fazer é o que sempre se faz, e nada mais antigo do que fazer o novo; proponho, portanto, que nada se faça! Não lute, nem contra, nem a favor. Não compre nada que não possa comer. Não planeje, deixe de fazer! E quando pensar em fazer, desista ou adie o mais que possa. Fale mais não do que sim. Deixe sempre para amanhã, ou mais tarde, o que pensa em fazer hoje ou agora. Durma bem mais de 8 horas por dia; quanto mais dormir, mais tempo ficará sem fazer coisas, pois é só acordar que coisas aparecem para serem feitas, a começar pela difícil decisão de levantar da cama, que deve ser adiada o máximo possível, até pelo menos a fatídica necessidade urinária ou evacuante. E nada impede de depois voltar para a cama. No mais, faça menos; se acha que é pouco, diminua ainda mais, e verá como era muito o que fazia. Viver deve ser algo vagaroso e preguiçoso, nunca de forma apressada e angustiante. Não apenas a pressa é inimiga da perfeição, é inimiga de uma vida boa e sossegada; o único motivo que legitima a pressa é para parar de fazer o que se está fazendo, ou para se dirigir e dedicar a nada fazer. Menos negócios e mais ócios! Eis a palavra de ordem para qualquer momento, mas fundamentalmente para o momento atual, e que singelamente deixo para a posteridade.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um homem sujo

Alguns, quando me vêem de longe, logo bradam: “eis um homem sujo!”. E é verdade, a sujeira me acompanha. E não é porque tomo pouco banho e não uso sabonetes e outras parafernálias perfumadorescas. Ou, pelo menos, não só por isso. Mostre-me algumas virtudes morais e logo revelarei a imundice por detrás. Apresente suas riquezas e lhe indicarei a fedentina do dinheiro. Defenda uma bandeira política popular e desnudarei a bosta que está envolvida. Sou assim, não sou de deixar sujeira para trás, abandonada no esquecimento dos homens, carrego-a para toda conversa. Alguns indagarão, mas por que carregar a sujeira da humanidade, tão pesado fardo, ainda mais sozinho? Ora, alguém tem que fazer o trabalho sujo e remexer na fedentina da vida humana, não para perfumá-la, como é comum ocorrer, mas para higienizá-la nas mentes. E dado que a natureza me deu uma narina apurada e um intestino solto, passo os dias a aspirar à estupidez de quase tudo e a evacuar as merdas que digo a todo o momento.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Transcendência evacuada

Sentado no alto do monte, olhando as estrelas distantes no céu, para o infinito, para tudo e, talvez, para nada, para o distante próximo pelo pensamento, para a distância das coisas e dos homens, para o medo do desconhecido e da morte que muitos sentem, e fico aliviado em ser como sou, que sem querer nada nem ninguém, trafego pela existência cagando para tudo e apreciando a todos, sem me importar com o começo ou com o fim do universo, se é que há começo e fim na merda do mundo, senão se o que faço prejudica ou beneficia os demais. Seja qual for a verdade do universo, não deixará de ser verdadeiro que os justos pouco devem temer dos homens; ainda que ele possa sofrer injustiças, como qualquer um, mesmo assim pode encostar sua cabeça tranqüila no travesseiro e dormir o sono dos justos. De que vale existir neste mundão de ninguém e de todos, senão para ser útil para si mesmo e sem ser injusto com os outros, e diante do julgamento final da consciência, possa afirmar: “se não fui, tentei ser justo!”? Naturalmente, há aqueles que digam que, o que é a justiça humana diante da grandiosidade da ordem do universo? Que apontam para a fragilidade das leis humanas diante da grandeza das leis naturais, que o homem, quando não o próprio planeta é apenas pó num cosmo incomensurável, o que até pode ser verdadeiro, mas desonesto, pois ainda que o universo possa ser um ilustre desconhecido de todos, o agir e falar humano não pode ser ignorado, e se somos ignorantes a respeito do mundo, não se pode ser ignorante à autodeterminação humana, que, se não consegue resolver as grandes questões do universo, tem a obrigação de resolver os problemas domésticos. Que não se saiba quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, vá lá, mas não saber se é melhor ser governado por bons homens ou por boas leis, é um caso sério de ignorância cívica. Que as leis naturais nos ajudaram a nos libertar de temores e superstições é algo importante, mas o que libertou da escravidão foram as leis humanas, paulatinamente abrandando os privilégios e garantindo direitos cada vez mais extensos à mais pessoas. Na verdade, como esperar resolver os grandes enigmas do universo, se não se consegue nem ao menos permitir vida digna a todos, se não se consegue resolver os enigmas humanos? Como se pode pensar sobre o mundo com o ruído do sofrimento alheio transbordando pelas frestas estreitas da casa trancada, a torturar a mente com a incompetência humana para conseguir dar ao menos um prato de comida para cada um e fazer com que uns não matem os outros? Mais difícil que entender o universo, é perceber a diversidade do universo humano como algo que nos acrescenta, que nos leva a pensar e questionar o nosso agir ao comparar com os demais, enfim, que nos potencializa para o auto-aperfeiçoamento. Mais difícil que entender o mundo é entender as merdas que fazemos, os bostas que somos e as cagadas que estamos deixando para a posteridade, pois ainda que não seja uma fatalidade cagar, é inevitável a cagada a se continuar nesse ritmo frenético de conquista de futilidades. Enfim, para mim, o problema não é a imensidão do universo, mas a pequenez dos homens, isso que estraga a vista mesmo de quem está no alto do monte apenas apreciando a paisagem: há fumaça no horizonte, luzes da cidade a ofuscar a visão do céu, afora o perigo de assalto a qualquer instante.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Coco grego vagando vagabundo pelo mundo

É verdade que hoje não recebemos mais as mercadorias européias goela abaixo, como durante séculos ocorreu. Somos independentes, preferimos as asiáticas. Mas, essa cagada da dívida grega, não vai respingar merda só na Europa, a fedentina vai repercutir pelo mundo todo. A merda que recebemos não vem mais apenas do cu das grandes potências européias, mas também das periféricas, é a bosta dos bostas. E o que é pior, devemos torcer para que sejam essas merdas periféricas, pois que se chegar a bosta alemã, é porque o mundo já estará numa terrível diarréia. De minha parte, posso garantir, crises financeiras não afetam o meu modo de sobrevivência, mas temo que muitos não suportarão o cheiro da fedentina dos títulos podres pululando por toda parte; não saberão sentar na praça e apreciar os ratos e urubus a desfalcarem os incautos bolsos da população civil, não porque seja belo ou bom, mas para tirar alguma lição da compulsão pelo endividamento que há dois séculos assola a civilização.  Se uma coisa se pode aprender, é que é melhor poupar, que financiar, e que o crescimento endividado acaba invariavelmente numa dívida crescente e numa riqueza hipotecada. Pouco ou mesmo quase nada tenho, mas fundamentalmente não tenho dívidas, senão as de gratidão por coisas recebidas.

Dissidência política

Desde a mais tenra juventude sou um dissidente político, contrário não apenas aos governantes, mas a ser governado; contrário às leis, aos costumes, às moralidades sociais, e a tudo que impeça o exercício da minha liberdade. Tolice por tolice, fico com as minhas! Essa dissidência é tão extrema que me tornei um apátrida, e só não sou expatriado porque a radicalidade da minha dissidência é tanta, que não é conhecida, sequer notada, fora dos pequenos círculos por onde ando e discuto política. É que nunca lutei contra os poderosos ou mesmo os fracos, apenas deixei de servir a todos, em particular os governantes, e não deixo ninguém me servir. Tenho para com o poder político a nobreza da indiferença. E nem o Estado nem a sociedade podem impor limites à autonomia dos indivíduos, pelo menos quando esses não afetam aos demais nas suas ações e decisões, ainda que certas moralidades possam ficar contrariadas. O certo e o justo é algo muito complexo para deixar nas mãos dos governantes ou das autoridades, e quem abre mão do seu próprio julgamento deixa de exercer sua liberdade. Na vida política e social somos todos iguais e cada um tem o direito de ter sua opinião; é o reino da opinião por excelência, e mesmo que alguns sejam mais sábios ou ilustrados, a todos é dado ter bom senso. E a minha opinião é que a sociedade é hipócrita e a política sem vergonha, e a maioria das pessoas inertes ou omissas, e eu, se não posso melhorar o mundo, posso melhorar a mim mesmo e, talvez, os que me cercam.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Matemática política

Por muito tempo achei que 50 tiranos mortos eram melhor que um vivo, e quanto mais tiranos mortos, melhor seria, mas, melhor e tirano são anacrônicos, logo, o melhor somente ocorre quando não há tirania. De pouco adianta matar o tirano, se não se acaba com a servidão. Assim como o povo que é um, pode, no entanto, ser tantos, a tal ponto a ser apenas uma multidão, não reunida, apenas amontoada. Quando vários interesses iguais se juntam se tornam individualmente mais fortes e podem muitas vezes se sobrepor aos demais interesses dispersos; quando vários interesses diferentes se juntam formam um interesse comum que potencializa a todos a realizarem seus interesses individuais. Na política, uma soma pode se tornar numa multiplicação, e uma diferença numa divisão irreconciliável, portanto, o cálculo que se costuma fazer não é tanto pelos princípios que levam a ação, mas antes pelo resultado da operação realizada. E ainda que se espere que a política siga princípios, o que de fato se quer é alguma benesse; todos apreciam o bem, mas se contentam com a felicidade, ainda que passageira, ou com o fim do desconforto. Realmente, poucos esperam o bem, o certo, o justo ou o simplesmente honesto da política, isso parece que se tornou da ordem do particular nos dias atuais; espera-se tão somente que assim pareça à vista da maioria. A política é cada vez mais um negócio e os negócios cada vez mais políticos; já não basta uma aritmética básica, é necessária uma matemática financeira, para reconciliar não apenas interesses legítimos, mas os escusos, os clandestinos, os injustos e alguns particulares de forma especial. E no fim da conta, o que sobra é sempre pouco para distribuir para tantos, e muito para alguns poucos. Eis porque apenas poucos ousam palpitar na política sem pretenderem cargos públicos: quem está disposto a ensinar matemática elementar para pessoas que só sabem matemática desonesta? Quem quer apontar o caminho sem querer ser dono da estrada? Quem quer ganhar virtude sem ter alguma vantagem pecuniária? Quem sabe de fato fazer contas, ou que conta ser feita, num mundo que perdeu os valores e pensa em termos de preço? De minha parte, creio que a política vale muito, ainda que feita por pessoas que valem pouco, pois mesmo que não traga a certeza de que acertaremos, sem ela temos a certeza de que nunca seremos justos, sequer humanos.

O dia da árvore

Ontem foi o dia da árvore e, com certeza, se há algo que merece um dia, é a árvore, afinal, o que seria do homem sem um pau em suas mãos? E isso desde a mais remota antiguidade. É com ele que dá as bastonadas para conquistar seu reino ou apenas um lugar na arquibancada, é com ele que ergue seus castelos e suas choupanas, assim como faz as portas para trancar seu lar, é com ele que faz as lanças e mata seus inimigos, faz o fogo que lhe aquece e espanta os bichos que lhe come, assim como assa os que pega. Na sombra da árvore descansa seu corpo, nos seus frutos se alimenta, na sua copa por vezes se esconde. Com ela enfeita sua morada, suas ruas, suas praças e seus parques; com ela faz também os móveis de sua casa. E quando ao fim de sua vida, seu corpo já cansado precisa de um auxílio, eis que vem a salvadora bengala, e novamente com um pau nas mãos o homem reina, e caminha decidido a dar bastonadas a quem se impuser em seu caminho.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Notas sobre o meu existir N° 15

Depois da visita da minha mãe fui para o claustro ansioso, tinha muito que pensar. Verdade que tinha esperança, mas, por outro lado, certas coisas faziam-me suspeitar que meu pai não quisesse minha saída daqui, logo não deveria arquivar o plano de fuga. No entanto, teria que revisar tudo e levar em consideração o alerta materno da carta escondida na manga do general. O que desejava com a minha reclusão do mundo não entendia direito. De alguma forma, parecia que representava algum tipo de perigo social e político, ou moral. Ele era um dos poucos (senão único) a levar a sério a minha posição de dissidente político.
Pensava com os meus botões que faltavam na camisa que, ou ele me internaria numa clínica de loucos com algum tipo de intervenção judicial (amigos juízes não lhe faltavam), ou manteria algum tipo de controle militar na região para a eventualidade da minha fuga, de tal modo a ser resgatado antes de ter acesso a algum lugar “civilizado”.
Esperaria notícias, alimentaria alguma esperança, mas não deixaria de continuar estudando geografia e manuais de sobrevivência na mata, muito menos pararia de armazenar artigos necessários para essa empreitada, que segundo meu plano deveria ocorrer no meu aniversário, era o presente que pretendia me dar, a liberdade e os seus riscos, o que ainda demoraria mais de um mês. Eis a primeira dúvida, não deveria antecipar a fuga, pois ele poderia estar querendo me internar antes de completar a maioridade?
A segunda dúvida era se utilizaria os serviços dos meus “discípulos”, como se auto-intitulavam sete seminaristas, para a realização desse feito. Até o momento, a fuga era um segredo alimentado na intimidade. Esses colegas me tinham como mestre e eu utilizava inclusive a cotas deles para tirar os livros da biblioteca, visto que minha cota era ocupada só com livros didáticos, por determinação do monsenhor. E ainda que o bibliotecário estranhasse o interesse diversificado de leituras desses alunos, ficava contente ao ver que não era apenas eu a retirar livros. Eles achavam que minha concepção de não punir a quem me faz mal, a não temer a morte, meu desapego pelos bens materiais e cargos, sinais que estava mais próximo de cristo que os demais. Além disso, tinham como certo que tinha poderes sobrenaturais, seja com as palavras, seja com forças transcendentes. E negar era de todo inútil, já que acreditavam que isso era um gesto de humildade de minha parte, o que me tornava ainda mais santo aos seus olhos, afora o fato que acreditavam que era uma espécie de teste divino da fé deles, se seguiriam os ditames eclesiásticos, ou a pureza da mensagem original do novo testamento, que acreditavam estar na minha interpretação. Sinceramente achava tolo, mas ao fim eram pessoas que gostavam de conversar comigo, de discutir os textos, de escrever cartas que trocávamos, pois nem sempre eram possíveis reuniões, uma vez que ser visto comigo depunha contra a pessoa, pelo menos na visão do padre vigilante e do monsenhor.
Certa vez eles colocaram em uma de nossas discussões a questão da fuga, querendo saber o que achava, ao que respondi:
 - Uma ousadia!
 - Mas, possível? Perguntou um deles.
 - Tudo é possível ao homem determinado, disse.
 - Ninguém conseguiu, disse outro.
 - Provavelmente porque foram fugas desesperadas, pois não basta querer fugir, é preciso aprender a fugir, ou antes, como prefiro pensar, evacuar. A fuga é uma arte e uma ciência, já que o difícil não é escapar, mas não se deixar pegar depois, e, no nosso caso, também não se perder pela floresta.
 - E os barcos?
 - Os barcos de pouco valem sem os motores. No remo, logo se alcança com barcos motorizados, além da mística que corre que nunca foram roubados, nem os barcos, muito menos os motores. Naturalmente, sempre há uma primeira vez..... Mas, estranho o interesse de vocês por esse tema, visto que o único que está internado aqui contra a vontade sou eu e vocês escolheram o sacerdócio, podendo sair a qualquer momento.
 - É que queríamos saber se não está pensando em fugir. Se fugir, gostaríamos de ir contigo.
 - Colegas, por que fariam isso?
 - Porque você parece saber mais que os professores sobre a mensagem de cristo, nunca vimos ninguém tão cristão, nunca vimos praticar qualquer mal, ou mesmo pensar em praticar.
 - Já disse que não sou cristão e a existência ou não de deus me é indiferente. E mais, acho que os homens não são ovelhas que precisam de pastores, mas vermes a devorarem a crosta terrestre, e que para evoluírem precisam se tornar amorais. Vocês sabem bem que para mim a religião é parte do problema humano, nunca parte da solução. Assim, por que iriam comigo?
 - Na verdade, desde que ouvimos o seu texto, você se tornou a grande luz desse lugar para nós. Sem você, aqui se tornaria pura treva, para não dizer o tédio, pois que é a única coisa diferente que por aqui ocorre. Temos prestado atenção nos seus feitos e ditos, e todos eles estão repletos de virtudes; mesmo injustiçado, é justo; mesmo quando poderia pedir clemência, ergueu a voz e suportou a dor.
Bom, como se percebe, não sei porque, acabo atraindo pessoas, e como se sabe entre as pessoas há um pouco de tudo. Logo, poderia confiar neles e utilizá-los para essa evasão, ou como parece mais apropriado quando se trata da minha pessoa, essa evacuação? Não estaria algum deles como um agente infiltrado do monsenhor? Afinal, só tocaram nesse assunto após constatarem que estava pedindo para pegarem livros sobre florestas, de geografia, de navegação diurna e noturna. Talvez, tivesse chegado o momento de confiar nos colegas para melhor instrumentalizar a evacuação, que sendo em vários, exigiria um planejamento mais apurado. Por outro lado, como tinha meus passos restritos dentro do seminário, além de extremamente vigiado, eles poderiam obter tudo que para mim até o momento estava interdito, inclusive suprimentos, uma vez que um deles era ajudante da cozinha e outro trabalhava no estoque geral.
Pensava nisso quando adormeci. Sonhei. No sonho meus pais pareciam contentes comigo porque estava me formando em odontologia, como era a vontade deles. Na formatura, peguei o diploma e logo depois dei para eles e disse:
 - Eis o que queriam. Posso agora ficar sem fazer nada?
Acordei. Também, pudera, depois desse pesadelo, eu deformado por alguma profissão.... perderia minha essência mais pura, daquele que sabe que ninguém sabe porcaria nenhuma. Para ser bem honesto, o único profissional que merece algum respeito da minha parte são os lixeiros. No mais, só vejo vaidades e soberba da diversificada fauna de profissionais.