domingo, 10 de abril de 2011

Notas sobre o meu existir N° 8

O professor de teologia nunca gostou de mim, desde o primeiro encontro. Talvez, pelo fato de pouco ou mesmo nada entender da bíblia, novo testamento, religião, sequer entendia de fé. Aliás, nunca pus a menor fé na fé. Achava tudo muito chato e ainda acho. E nunca escondi o fato de ninguém. Só não escarnecia de tudo e todos, porque após a terceira chibatada depois da primeira tentativa, percebi que não seria ouvido naquele recinto e que estava em franca minoria, para não dizer que era único, além, é evidente, das chibatadas a estalar na frágil carne humana.
Mas, se resignado estava nas aulas, quase calado, respondendo apenas as questões das provas e chamadas orais, por dentro restavam inquietações. Ora, falavam tanto da morte, da vida após a morte (uma clara contradição de raciocínio), que tal temática foi se formando na minha mente como uma obrigatoriedade a ser trabalhada. Sem dúvida, foi decisivo o professor exigir de mim, como monografia da disciplina, que tratasse a morte de forma cristã. Isso ocorreu porque certa vez perguntou para mim o que achava que era a morte, e disse que era o fim da vida. “E o espírito?”, perguntou. Respondi: “É exatamente o espírito que morre ao morrermos; a matéria é eterna, apenas se transforma”. Bom, tive que escrever 1500 vezes “O ESPÍRITO É ETERNO! A MATÉRIA NÃO!” Nem assim fiquei convencido de tal afirmativa; continuo achando que Lavosier está certo: “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma!”
Dada a temática que foi imposta pelo professor, fiquei um mês fazendo minhas pesquisas na biblioteca e apareci com o pequeno opúsculo, manuscrito – SOBRE MORRER E MATAR ENTRE OS CRISTÃOS. Foram 15 folhas escritas de ambos os lados versando sobre a questão. Comecei fazendo distinções entre o deus do velho testamento e a mensagem cristã, onde o deus judaico punitivo finda num deus cristão caridoso, tolerante, piedoso. Até aqui o professor era só elogios pela clareza da minha exposição, pela erudição das distinções e pela rigorosa argumentação teológica. Fez questão de salientar que era o único a ter lido toda bibliografia fornecida por ele e que tinha entendido a “revolução” da teologia cristã sobre a mística judaica. Mas, isso foi só até a quinta folha. Já na sexta o professor, assim como o restante dos alunos, começaram a ficar aterrorizado com as minhas conclusões.
Em primeiro lugar, deduzia que a morte nunca é um mal para um cristão, que sempre terá o reino do céu. Assim, ao matar um cristão, ainda que cometesse um pecado capital, de forma alguma fazia um mal ao mesmo. Pelo contrário, com a sua morte o aproximava de deus, e assim, na verdade, estava fazendo um bem. E todo cristão verdadeiro, também deveria sentir e pensar assim. Deus não quer o mal de ninguém e só ele tem o direito de punir, pois é o único que seria capaz de perdoar. E um cristão verdadeiro nunca deveria buscar a vingança ou a punição de um irmão morto, mas antes, deve perdoar, ver que o morto descansa na santa paz, desfruta um bem melhor que o nosso árduo labor da vida diária, cheia de armadilhas a desviar os homens. Mesmos seus pais ou seus filhos, seus cônjuges devem considerar um bem para ele ou ela, antes de terem raiva pela perda do patrimônio familiar. É um pecado grave o egoísmo de querer as pessoas para si, quando todos pertencem a deus, a dar crédito o que diz as escrituras.
Em segundo lugar, pelo que se intui da mensagem de cristo, deve-se apontar caminhos, valores, princípios gerais de orientação do comportamento dos homens, mas nunca punir. Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou, dizia o bom cidadão. Não estamos aqui para punir quem erra, mas para ensinar a não errar; ao todo poderoso cabe o julgamento. A justiça humana é imperfeita e um bom cristão, ainda que julgue, não pode condenar, pois deve ser tolerante e piedoso; condenação, se houver, será divina. Pode no máximo buscar que o pecador se arrependa dos seus pecados. Tanto que quando pensa que está a punir a morte com a morte, não pune, beneficia essa pessoa. E, simultaneamente, comete um pecado capital.
Em terceiro lugar, em nenhum lugar avistava cristo defendendo a constituição de interpretes oficiais de sua mensagem, sabendo dizer como um cristão deve se portar nas diversas circunstâncias e minúcias da vida. Suas últimas palavras – perdoai! Eles não sabem o fazem! – dizia tudo sobre os homens, todos são capazes de errar, e quem saberá dizer quem está certo? Assim, não consegui encontrar na mensagem de cristo, ainda que encontrasse em vários supostos cristãos, qualquer intenção de buscarmos meios punitivos para sermos convencidos de que não devemos pecar, sendo que a morte é sempre um bem, e assim nunca se pune ninguém quando se mata, a ser verdade a mensagem cristã; se é um homem mau e o matamos, livramos o mundo de um traste, por outro lado, se é um bom homem e vai para o céu, que maior bem pode desejar um cristão?
Naturalmente, vinha sentindo o crescer de um mal estar geral conforme avançava na leitura e explicação do trabalho, e não me deixaram expor nem a quarta ou a quinta conclusão. Uma discussão acalorada fez-se na sala. O professor perplexo arrancou meu manuscrito e quando ia começar a falar, recebeu uma cadeirada na cabeça e caiu desfalecido. O seminarista quase tomado de êxtase dizia: “Vamos matá-lo! Ele que acha que sabe tanto sobre deus!”. Retiraram o resto da cadeira que ia usar como estaca para perfurar o coração do professor, e imobilizaram o pobre coitado. Mas, a confusão, o barulho e a situação já tinham transcendido os domínios da prosaica sala de aula de teologia.

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