quinta-feira, 26 de abril de 2012

Filosofia Miúda

O que sempre moveu a máquina pública no Brasil foi a propina, a corrupção e o uso privado da coisa pública. O interesse público é apenas um argumento para direcionar verbas públicas para determinado empreendimento. Para cada tijolo levantado numa escola e num hospital, outros dois vão para a mansão do empreiteiro ou do político. Isso seria trágico, se não fosse a indolência de todos, que de forma mais miúda ainda, pensa que é um problema das “autoridades”, e aceita isso como uma fatalidade, e se diverte reclamando da vida. Não há autoridade na política, somos todos iguais, e para mim a miudeza das ocorrências políticas é trágica, não apenas pelos políticos, mas pela população.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mandeville e A Fábula das Abelhas

Ninguém captou melhor a essência humana e nem distinguiu tão bem o real do deformado, do que esse bom autor no seu maravilhoso texto “A Fábula das Abelhas: vícios privados promovem o benefício público”. Diz ele que nada é mais honesto em qualquer criatura que o desejo, a vontade de salvar a própria pele. Nada existe na terra tão universalmente sincero como o amor que todas as criaturas professam a si mesmas. Logo, o autointeresse – que, em si mesmo, não é vício e nem virtude – é o fundamento da sociedade e nele deve-se buscar o bem geral. Na verdade, o social resulta da busca dos benefícios particulares, os quais ao mesmo tempo são benefícios públicos. Cada indivíduo ao cuidar do próprio interesse, tudo se ajeita espontaneamente para o benefício de todos; para chegar-se às mansões dos grandes é que se constroem as estradas, erguem-se as pontes, fazem-se os caminhos. Introduz a noção de ordem espontânea, segundo a qual a livre interação social dos indivíduos em busca de seus interesses egoístas é o meio de estabelecer e garantir o bem-estar da sociedade. Explica assim a ação humana pelos cálculos egoístas das pessoas ou dos grupos: os sujeitos sociais são egoístas amorais, e que por intermédio do mercado, essa máquina para transformar os vícios privados em virtudes públicas, é a condição da justiça e da felicidade coletiva. Foi o orgulho e a arrogância que ergueram os palácios, enquanto a modéstia e a humildade sempre se contentaram com as choupanas. A avareza, esse maldito, perverso, pernicioso vício, sempre foi escrava da prodigalidade; enquanto o luxo sempre empregou um milhão de pobres, e o orgulho odioso, mais um milhão. A futilidade, a inveja, a vaidade muitos milhões de outros tantos; a própria inveja e a vaidade sempre foram ministros da indústria; a extravagância predileta, a volubilidade no comer, vestir-se e mobiliar, torna-se a própria roda que sempre moveu os negócios e gerou o progresso humano. As leis e os trajes sempre foram, igualmente, coisas mudáveis, pois, o que em certo momento é bem visto, meio século depois se torna crime ou mau gosto. Entretanto, enquanto assim alteram suas leis, sempre encontrando e corrigindo imperfeições, através da inconstância reparam falhas que a prudência não pode prever. Assim, o vício fomentou a engenhosidade que, unida ao tempo e ao trabalho, propicia as comodidades da vida, seus verdadeiros prazeres, confortos e facilidades, a tal ponto que mesmos os pobres de agora vivem melhor que os ricos de outrora. Vícios como a vaidade, a luxuria, a inveja, a avareza e o orgulho, e não as tão decantadas virtudes da humildade, economia, abstinência, etc. virtudes, aliás, praticamente inexistentes, só podendo ser encontradas nos discursos proferidos por aqueles que procuram enganar aos outros, ocultando os vícios que os levam a agir, são os verdadeiros promotores do progresso humano. O resultado final das ações das pessoas, que buscam, sobretudo, satisfazer seus apetites dentro de um mundo corrupto (não é um julgamento de valor, mas uma descrição da realidade) é bom: as amenidades da vida advêm apenas e tão somente desta busca, que é de todos. A boa sociedade não é aquela que torna os homens bons, o que é impossível, mas sim aquela constituída pela união dessas buscas egoístas, pois submetidos a uma administração política competente, vícios privados convertem-se em benefícios públicos. As ações egoístas são o que permite a sociabilidade e a governabilidade do Estado, sem importar a moralidade do agente, nem se a harmonia social será o resultado de um sentimento humanitário original ou produto da conveniência, da simulação, da hipocrisia ou do utilitarismo privado. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhe falamos das nossas necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. Cada parcela da população, cada grupo social, constituída com seus truques formam uma grande colmeia repleta de abelhas. Parasitas, gigolôs, ladrões, punguistas, falsários, magos, charlatões, e todos os que, por inimizade ao honesto labor, com sagacidade tiram vantagem considerável da lida do vizinho incauto e afável, chamam-nos canalhas, mas os diligentes não agem diferente, nem percebem que a canalhice faz girar o dinheiro e alimenta o consumo pela sociedade. De todos os negócios a fraude é parte e nenhuma profissão é isenta dessa arte. Assim, o vício em cada parte vive, mas o todo, um paraíso se constitui. Ora, é só pesquisar a natureza da sociedade, mergulhando na sua origem, para provar que não foram as características boas e afáveis do homem, porém as más e odiosas, suas imperfeições e a falta de qualidades que outras criaturas possuem, as primeiras causas que tornaram o homem sociável, mais que os outros animais. De fato, as qualidades afáveis do homem não colocam nenhum ser da espécie em atividade, mas, isto sim, a necessidade, a avareza, a inveja, a ambição, o orgulho, a preguiça, a sensualidade e a inconstância. São estas, conclui o autor que tornam o homem criatura sociável, a base sólida, a vida e a sustentação de todos os negócios e ocupações, sem exceção; e é nisso que se deve procurar a verdadeira origem das artes e das ciências. É da multiplicidade das carências que dependem todos os serviços mútuos que os membros individuais de uma sociedade prestam um ao outro. Consequentemente, quanto maior é a variedade de carências, tanto maior é o número de indivíduos que podem encontrar seu interesse particular em trabalhar para o bem dos outros e, unidos, compor um só corpo. Ainda que o primeiro princípio, em todas as sociedades, “o dever de cada um de seus membros serem bons”, e a virtude, portanto, deva ser fomentada, enquanto o vício censurado, as leis obedecidas e os transgressores castigados, reconhecendo inclusive o valor da benevolência, Mandeville percebe também que o essencial para a paz social é a justiça, pois até a punição gera emprego e renda. Realiza assim um desmascaramento da hipocrisia dos que criticam as causas (e não as consequências como imaginam os ingênuos) do progresso material da humanidade, mas não abrem mão de seus infinitos frutos benéficos – e, por pura vaidade, tentam parecer mais virtuosos e caridosos que os demais, sem perceber que suas virtudes decorrem de seu egoísmo de entender que a honestidade é mais barata: sua honestidade, seu gosto pela companhia, sua bondade, alegria e moderação são o conforto de uma sociedade indolente; quanto mais sinceros e naturais os homens forem, quanto mais ordem e paz colocarem nas coisas, mais evitarão preocupações e movimento. O mesmo pode-se dizer das dádivas e da prodigalidade da fortuna, e de todos os frutos e benefícios da natureza: quanto mais extensos forem, quanto maior a fartura, menor será nosso esforço. As necessidades, os vícios e as imperfeições do homem, juntamente com as inclemências do clima e outros elementos, contêm as sementes de todas as artes, engenho e trabalho. Considera a fome, a sede e a nudez como tiranos, os quais colocam as pessoas em atividade. Depois destes ditos tiranos, acrescenta, aparecem o orgulho, a preguiça, a sensualidade e a inconstância, na condição de grandes padroeiros, capazes de promoverem todas as artes e as ciências, os negócios, os trabalhos manuais e os ofícios; enquanto os capatazes, ou seja, a avareza, a inveja e a ambição, cada um na categoria que lhe corresponde – mantém os membros da sociedade a seu serviço, submetendo-os (a maioria deles de bom grado) ao trabalho concernente à sua posição, sem excluir reis e príncipes. E assim, o pior elemento em toda a multidão faz algo para o bem comum: é do esforço do ladrão que o serralheiro põe comida da mesa e que o policial arruma emprego; é do desonesto que vem o emprego do juiz; é do pobre que vem o emprego do assistente social. É essa a estatística que rege o todo, do qual cada parte reclama e lamenta o vício alheio, sem ver o próprio; isso, como na harmonia musical, concilia as dissonâncias no geral. E ainda que as abelhas fiquem incomodadas com sua própria falta de virtudes, e por vezes surge um sentimento profundo e geral de vergonha, pois cada abelha olha para o seu passado e se depara com aquilo que antes não via – suas próprias fraquezas, vícios e imperfeições, enquanto cai a máscara da hipocrisia, no instante em que mínguam o orgulho e o luxo, o mito da sociedade virtuosa, aparece uma ética de resultados, preocupada menos com o caráter da conduta do que com suas consequências. Se os vícios, ao fim, nem são crimes, ou se são, acabam punidos, e ainda promovem o bem social, cabe ao homem instrumentá-los para o bem comum; mais que proibir a bebida, cobrar imposto sobre o consumo; mais que proibir a prostituição, regulamentá-la, e, é claro, cobrar imposto, e assim com o jogo, as drogas. O excesso, as consequências nefastas que possa causar aos demais, será punido (como sempre tem sido sem impedi-lo), mas se, como a maioria que pratica consumo moderado ou lúdico, nada fizer de mal aos demais, que encontre abrigo em lugares regulamentados pela sociedade civil, antes que alimente o mercado negro ou o crime. A sociedade não pode ser idealizada para santos, que são poucos, mas para pessoas comuns que apenas buscam sua satisfação, que só devem ser punidas quando prejudicam alguém com esse prazer.
De minha parte, concordo em gênero, número e grau.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Da série pensamentos evacuados

Uma das principais razões de tão poucas pessoas entenderem a si próprias, é que a maioria dos autores que leem está querendo ensinar aos homens o que eles precisam ser, e dificilmente se preocupam em lhes dizer o que realmente são. Querem lhe mostrar sua divindade e não revelam o verme que se é.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Fatalidade de existir

Como indivíduo não elegi a merda desse mundo; viver é encontrar-se em um mundo determinado e insubstituível, neste de agora. Mas esta fatalidade vital não se parece a alguma mecânica histórica ou natural. A fatalidade em que caí ao despencar nesta merda toda, consiste em vez de impor-se uma trajetória, impõem-se várias, todas e nenhuma, e consequentemente, sou forçado a eleger. Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem um só instante se deixa descansar nossa atividade de decisão, inclusive quando desesperados nos abandonamos ao que vier, decidimos não decidir. Ocorre hoje uma estranha dualidade de prepotência e insegurança que se aninha na alma contemporânea: a vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as historicamente conhecidas. Mas, assim como seu repertório é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. Temos de inventar nosso próprio destino: o passado não pode dar uma orientação positiva, só negativa; não diz o que fazer, pode no máximo apontar o que evitar. Resta saber se diante dessa crise de valores não encontrarão apenas o que tem preço, sem perceberem o que é valor ou dignidade. Num mundo onde desapareceu o herói, todas babam por celebridades, enquanto eu me cago para tudo.