quinta-feira, 17 de março de 2011

Notas sobre o meu existir N° 5

Será preciso dizer que a vida no mosteiro é um inferno? Cheio de regras e normas, com horário para tudo e para todos, ninguém consegue sossego senão na intimidade do claustro. Eis porque sempre adorei os castigos de enclausuramentos.  E olha que tive, no começo da minha infeliz estadia, até algumas regalias devido principalmente a influência paterna sobre o monsenhor que comandava o seminário.
Meu pai chegou comigo na sala do diretor e foi logo falando, de comandante para comandante, guardada as devidas diferenças de patentes.

- Trouxe esse rapaz para torná-lo um homem do bem. Ele está se tornando comunista ou coisa parecida. Não acredita em nada, é um ateu....

O Monsenhor interrompeu meu pai e se dirigiu para mim:

- Você não acredita em nada?

Respondi:

- Acredito num montão de coisas, até no nada.
- E em deus, você acredita? Perguntou com os olhos fixos nos meus esperando uma resposta afirmativa.
- Claro, está na boca do povo. Eu acredito que as pessoas acreditam na existência dele.
- Mas, e você, meu rapaz, acredita na existência de deus?
- O que conheço de deus é o que os homens falaram dele.........

Nisso meu pai irritado e ansioso com a conversa, pois sabia que se dependesse de mim nunca terminaria, interrompeu o debate, e falou contundente:

- Está vendo, monsenhor, esse pirralho fica respondendo sempre de forma inesperada ou fazendo perguntas inconvenientes. É preciso muito cuidado. Além disso, ele nos confunde com suas questões, nos seduz com seus discursos e nos dobra com sua lógica. Creio que ele pode ser útil para a Igreja se conseguir dobrá-lo, coisa que confesso envergonhado, não consegui...... Um comunista no seio do meu lar....... É de matar de arrependimento um pai tão dedicado como fui.
- Pode ficar tranqüilo, nós o tornaremos um bom padre. Respondeu o monsenhor, e continuou: Ele será monitorado 24 horas, só lerá as obras que engrandecem um cristão. Tiraremos a soberba da erudição que parece ostentar e incutiremos a humildade cristã. Sendo um pacifista, como o senhor afirma, aqui ele encontrará o local apropriado na luta pela paz. Afinal, o que é a Igreja senão a encarnação da paz na terra cheia de guerras materiais?
- Aqui não tem aquela praga da teologia da libertação, perguntou meu pai receoso.
- Não, respondeu categórico o monsenhor.
- Nem veado? Novamente meu pai perguntou..
- General, com todo respeito, mas essa pergunta chega a ser ofensiva. Somos todos celibatários! Além disso, devo lembrá-lo que o exército não tem lá muita moral para fazer tais aleivosias.
- Não vamos discutir......... Bom, Monsenhor, está aqui este filho desgarrado, que precisa de rédeas curtas para seguir pelo caminho certo.
- E rédeas curtas terá, disse o Monsenhor.

Meu pai saiu sem sequer dar um abraço de despedida, ou mesmo um olhar. O Monsenhor o acompanhou até a saída e me fez ficar sentado esperando por ele. O relógio percorreu longos 15 minutos. Não achei nenhum livro interessante para ser lido na estante de sua sala. Os quadros, de gosto duvidoso por sinal, eram sobre temáticas católicas. A escrivaninha era bem arrumada, mas com poucas coisas: uma cruz, um grande bloco de anotações, a bíblia, um porta lápis completo, até com grampeador e fita adesiva. Por fim, no canto esquerdo da mesa, a imagem do santo de sua predileção. Havia austeridade, mas refinamento nos materiais existentes, das poltronas à estante de livros, da cruz a imagem do santo, um barroco autêntico.
Chegou o Monsenhor e foi logo interrogando:

- Então, meu jovem, você descontentou mesmo seu pai. Somos mais compreensivos com esses arroubos juvenis, por sinal o seu texto está bem escrito, e um cristão assinaria embaixo. Verdade que nem toca em questões religiosas, mas você me parece mais cristão do que imagina.

Fiquei quieto. Não sabia se ficava com raiva ou com pena do monsenhor, pela sua fraca avaliação das potencialidades do meu texto sobre o pacifismo.  Quando estava me entretendo com esses pensamentos, o Monsenhor me inquiriu:

- Você tem alguma pergunta?
- O que tenho que fazer? Respondi.
- Como assim?
- Ora, fui internado aqui contra a minha vontade, e como nunca pensei em ser um padre, que obrigações terei que fazer para me tornar um?
- Para começar, vamos nos ajoelhar e rezar, respondeu o Monsenhor.
- Não me ajoelho para ninguém. Sou um homem, não sou servo de ninguém.
- Todos somos servos do Senhor.
- Eu não.

O monsenhor já começava a se irritar, quando foi interrompido pela entrada súbita de um padre assustado, que disse chorando:

- Josué se suicidou!

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