domingo, 6 de março de 2011

Notas sobre o meu existir N° 3

Alguns podem achar que tive uma infância e juventude infeliz, ou que meus pais foram cruéis comigo. Mas, não, eles gostavam muito da gente e toda surra ou castigo foram realizados (pelo menos na sua intenção) para nosso bem, e justificadíssimos para a época, pois eles avisavam o que aconteceria caso não fizéssemos como queriam, e como era raro fazermos como eles queriam, uns bons tapas e castigos foram necessários para “consertar” os cinco filhos.  De todos, fui o que menos castigos e tapas levei.
Era assim que se pensava na época. Hoje em dia poderia processar meu pai, mas naquele período, criança que não apanhava dos pais é porque não era amada.  Os tempos mudaram, hoje os pais estão apanhando dos filhos, mas não é por amor.
O certo é que tive momentos tristes e alegres em todos os anos da vida, como qualquer um.  Sempre estudei em boas escolas, conheci vários estados do país devido à carreira militar do meu pai, que nos deslocava a cada 2 ou 3 anos para uma outra região do país.
Minha mãe sempre achou que precisava de um psicólogo, mas para o meu pai isso era para louco. Para ele eu era mais um esquisitão do que algum maluco. Obedecia mais que os outros filhos, não arrumava confusão com ninguém, e, principalmente, não queimava dinheiro, para ele o único sinal verdadeiro de loucura de um indivíduo, o resto para ele é frescura de psicólogo. O único fato preocupante era a ausência de amigos naquela época. Para ele, não tinha amigos porque vencia em quase todos os jogos que jogava em casa, a ponto de ninguém querer jogar mais War, banco imobiliário, buraco, xadrez, dama, dominó, Uno comigo, pois era raro perder. E todos sabiam que a vitória não era pela sorte. Além disso, ele gostava de me ver lendo, escutando música clássica, enquanto ele lia o jornal, ou estava consertando algum aparelho doméstico, e minha mãe e meus irmãos assistiam televisão na outra sala. Gostava de expor aos familiares e amigos minha cultura sobre vários temas, mas não gostava quando ele comentava alguma batalha antiga, e eu corrigia os dados que ele estava dando. Ora, guerra foi por algum tempo meu tema principal de leitura.
Outra coisa a salientar, também era raro pedir dinheiro para sair, e nunca recebia bronca por chegar atrasado; não comprava roupa cara, nem tinha roupa de festa.  Não pedia para passar férias no exterior, ou na beira do mar (quando morávamos longe da praia), como todos, até minha mãe, pediam para o meu pai. Sua única reclamação comigo era pelos gastos que fazia com livros, ou com multas nas bibliotecas por atraso na entrega do livro emprestado.
Naturalmente, ficaram preocupados quando aos 16 anos me recusei a ir para a Europa nas férias junto com o resto da família. Fui categórico: na Europa só tem fantasmas debaixo daqueles castelos e igrejas; os museus, uma pilhagem do mundo; os preconceitos contra estrangeiros beiram ao barbarismo, enfim, nada tenho para ver ou aprender daqueles bárbaros que espalharam seus costumes horrendos pelo mundo, assim como seus preconceitos. Não! Decididamente não fui à Europa, uma das coisas que mais me orgulho no meu currículo miúdo.
Para minha mãe, apesar dela gostar de discutir literatura e autores comigo, sempre me aconselhava a fazer outra coisa além de ler. Falava para brincar ou sair com meus irmãos, primos e, principalmente, com as primas: na sua percepção de vida, o primeiro beijo de um jovem ocorre entre primos e primas. Uma espécie de treinamento para depois arrumar uma namorada de verdade, mas com alguma experiência de saber beijar.
Meu pai tinha uma concepção um pouco diferente de educação sexual, quando seus filhos (inclusive este que vos fala agora) chegavam aos 15 anos, ele levava num prostíbulo e pagava uma puta para tirar nossa virgindade e ensinar a ser “homem”.  O mais velho teve mais sorte de todos, pois sempre que levava algum dos filhos pela primeira vez no puteiro, os outros mais velhos iam juntos. Como era o terceiro, só pude ir três vezes à custa do meu pai, depois só pagando do próprio bolso.
E assim foram passando os anos, eu lendo ou jogando, pois o jogo sempre me encantou, numa vida boa, sem muitos esforços e desgastes.  Sem brigas e sem confusões, sendo razoavelmente obediente, na casa, na escola, na vida familiar e social, sendo considerado educado, mas calado. Sempre senti falta de amigos, mas era difícil fazer amigos, pois não apreciava a maior parte das coisas que as pessoas apreciavam: não assistia televisão e lia jornal. Consideravam-me tolo, inadequado, por vezes metido, por saber da história das novelas de época, por ter lido o livro e contava toda história, sem ter assistido um único capítulo.
Mesmo no xadrez, onde mais tive contato próximo com pessoas na infância e na juventude, participando às vezes de algum campeonato, era odiado por vencer. Aliás, vencer tem sido minha maior derrota na vida. Toda vez que venço, mais que amigos confiáveis, ganho inimigos vingativos. E inimigos, todos sabem, são para sempre; já os amigos..... É que os amigos dos vencedores são sempre de ocasião, principalmente quando a vitória numa coisa não significava que queria continuar avançando nas vitórias para ser o melhor. Ao não querer participar de um campeonato estadual, todos os meus “amigos”, viraram amigo do vencedor do campeonato estadual da época. Diziam que eu era um covarde e tinha medo de enfrentar jogos com pessoas melhores do que eu no xadrez, o que longe está da verdade. Eu competia nos campeonatos locais porque era perto de casa e não tinha que viajar, mas ninguém acreditou nisso.
Como também não torcia por time de futebol, não tinha partido político, não era fã de nenhum grande músico, artista, ou celebridade, cheguei um tempo na vida a não ter nem amigos nem inimigos, pois não podiam me odiar por torcer ou adorar alguma coisa, nem podiam me ter como amigo porque não compartilhava deste sentimento comum de adoração por algo externo. Hoje sei que passei como uma pessoa indiferente por toda essa fase, e é pouco provável que alguém se lembre de mim, com exceção da minha mãe e dos meus irmãos ainda vivos. E se lembrarem, lembrarão como aquele cara caladão, estranho, esquisito e outros adjetivos do tipo.
Agora, o fato que muitos estranham, é que nunca quis ter uma namorada, nunca tive paixão por alguma mulher: na época, influenciado por Nietzsche considerava as mulheres seres humanos inferiores, no sentido de serem incompreensíveis pela razoabilidade humana. Eram submissas demais e repletas de desejos fúteis, passando muito tempo na frente de um espelho para o que considerava normal e razoável. AH! A doce inconstância feminina, que muda de acessório e penteado a todo momento, só para ver se encontra alguém que lhe arranque o acessório e lhe despenteie. Mexer no cabelo nem acho tão estranho, afinal, nada sentimos no cabelo. Mas, e aquelas que espetam prego, gancho, arruela pelo corpo? E aquelas que se tatuam? Tem gente que põe silicone, outras arrancam banha e há ainda aquelas que injetam as substâncias mais estranhas no corpo. Quantas não morrem para se embelezar! E penso comigo, se são capazes de fazerem isso consigo mesmas, o que não farão nos demais se tiverem oportunidade? Além disso, menstruam todo mês, e sempre tive horror de sangue. Para não dizer que não sentia nada pelas mulheres, devo confessar, sempre fui atraído sexualmente, freqüentei prostíbulos, para ser mais honesto ainda, continuo freqüentando. Hoje é um velho hábito. Naturalmente, mudou minha opinião sobre as mulheres, mas nunca amei, um sentimento que desconheço, acho que de tanto que li sobre ele no decorrer dos anos.
De qualquer modo, amigos e, principalmente, amigas, só vim a conquistar depois dos 20 anos. Desde então acumulo algumas poucas e boas amizades, que atravessam décadas. E amor é algo que desconheço, senão como um fenômeno moral da nossa civilização, que causa mais dor do que traz felicidade, contrariamente o que alardeia a falsa publicidade dessa ocorrência infeliz.
Não obstante, o fatídico que mudaria o rumo da minha vida de forma cabal, ocorreu aos 17 anos, com a leitura pelo meu pai do texto no jornal da escola que estudava, defendendo o pacifismo. Daí, então, meu pai me considerou um comunista, ateu, um terrorista, enfim, um demônio que precisava ser exorcizado, e aconteceram os fatos desagradáveis que relatarei: ele enclausurou-me num seminário para ser padre.

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