terça-feira, 27 de setembro de 2011

Transcendência evacuada

Sentado no alto do monte, olhando as estrelas distantes no céu, para o infinito, para tudo e, talvez, para nada, para o distante próximo pelo pensamento, para a distância das coisas e dos homens, para o medo do desconhecido e da morte que muitos sentem, e fico aliviado em ser como sou, que sem querer nada nem ninguém, trafego pela existência cagando para tudo e apreciando a todos, sem me importar com o começo ou com o fim do universo, se é que há começo e fim na merda do mundo, senão se o que faço prejudica ou beneficia os demais. Seja qual for a verdade do universo, não deixará de ser verdadeiro que os justos pouco devem temer dos homens; ainda que ele possa sofrer injustiças, como qualquer um, mesmo assim pode encostar sua cabeça tranqüila no travesseiro e dormir o sono dos justos. De que vale existir neste mundão de ninguém e de todos, senão para ser útil para si mesmo e sem ser injusto com os outros, e diante do julgamento final da consciência, possa afirmar: “se não fui, tentei ser justo!”? Naturalmente, há aqueles que digam que, o que é a justiça humana diante da grandiosidade da ordem do universo? Que apontam para a fragilidade das leis humanas diante da grandeza das leis naturais, que o homem, quando não o próprio planeta é apenas pó num cosmo incomensurável, o que até pode ser verdadeiro, mas desonesto, pois ainda que o universo possa ser um ilustre desconhecido de todos, o agir e falar humano não pode ser ignorado, e se somos ignorantes a respeito do mundo, não se pode ser ignorante à autodeterminação humana, que, se não consegue resolver as grandes questões do universo, tem a obrigação de resolver os problemas domésticos. Que não se saiba quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, vá lá, mas não saber se é melhor ser governado por bons homens ou por boas leis, é um caso sério de ignorância cívica. Que as leis naturais nos ajudaram a nos libertar de temores e superstições é algo importante, mas o que libertou da escravidão foram as leis humanas, paulatinamente abrandando os privilégios e garantindo direitos cada vez mais extensos à mais pessoas. Na verdade, como esperar resolver os grandes enigmas do universo, se não se consegue nem ao menos permitir vida digna a todos, se não se consegue resolver os enigmas humanos? Como se pode pensar sobre o mundo com o ruído do sofrimento alheio transbordando pelas frestas estreitas da casa trancada, a torturar a mente com a incompetência humana para conseguir dar ao menos um prato de comida para cada um e fazer com que uns não matem os outros? Mais difícil que entender o universo, é perceber a diversidade do universo humano como algo que nos acrescenta, que nos leva a pensar e questionar o nosso agir ao comparar com os demais, enfim, que nos potencializa para o auto-aperfeiçoamento. Mais difícil que entender o mundo é entender as merdas que fazemos, os bostas que somos e as cagadas que estamos deixando para a posteridade, pois ainda que não seja uma fatalidade cagar, é inevitável a cagada a se continuar nesse ritmo frenético de conquista de futilidades. Enfim, para mim, o problema não é a imensidão do universo, mas a pequenez dos homens, isso que estraga a vista mesmo de quem está no alto do monte apenas apreciando a paisagem: há fumaça no horizonte, luzes da cidade a ofuscar a visão do céu, afora o perigo de assalto a qualquer instante.

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