quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Notas sobre o meu existir N° 15

Depois da visita da minha mãe fui para o claustro ansioso, tinha muito que pensar. Verdade que tinha esperança, mas, por outro lado, certas coisas faziam-me suspeitar que meu pai não quisesse minha saída daqui, logo não deveria arquivar o plano de fuga. No entanto, teria que revisar tudo e levar em consideração o alerta materno da carta escondida na manga do general. O que desejava com a minha reclusão do mundo não entendia direito. De alguma forma, parecia que representava algum tipo de perigo social e político, ou moral. Ele era um dos poucos (senão único) a levar a sério a minha posição de dissidente político.
Pensava com os meus botões que faltavam na camisa que, ou ele me internaria numa clínica de loucos com algum tipo de intervenção judicial (amigos juízes não lhe faltavam), ou manteria algum tipo de controle militar na região para a eventualidade da minha fuga, de tal modo a ser resgatado antes de ter acesso a algum lugar “civilizado”.
Esperaria notícias, alimentaria alguma esperança, mas não deixaria de continuar estudando geografia e manuais de sobrevivência na mata, muito menos pararia de armazenar artigos necessários para essa empreitada, que segundo meu plano deveria ocorrer no meu aniversário, era o presente que pretendia me dar, a liberdade e os seus riscos, o que ainda demoraria mais de um mês. Eis a primeira dúvida, não deveria antecipar a fuga, pois ele poderia estar querendo me internar antes de completar a maioridade?
A segunda dúvida era se utilizaria os serviços dos meus “discípulos”, como se auto-intitulavam sete seminaristas, para a realização desse feito. Até o momento, a fuga era um segredo alimentado na intimidade. Esses colegas me tinham como mestre e eu utilizava inclusive a cotas deles para tirar os livros da biblioteca, visto que minha cota era ocupada só com livros didáticos, por determinação do monsenhor. E ainda que o bibliotecário estranhasse o interesse diversificado de leituras desses alunos, ficava contente ao ver que não era apenas eu a retirar livros. Eles achavam que minha concepção de não punir a quem me faz mal, a não temer a morte, meu desapego pelos bens materiais e cargos, sinais que estava mais próximo de cristo que os demais. Além disso, tinham como certo que tinha poderes sobrenaturais, seja com as palavras, seja com forças transcendentes. E negar era de todo inútil, já que acreditavam que isso era um gesto de humildade de minha parte, o que me tornava ainda mais santo aos seus olhos, afora o fato que acreditavam que era uma espécie de teste divino da fé deles, se seguiriam os ditames eclesiásticos, ou a pureza da mensagem original do novo testamento, que acreditavam estar na minha interpretação. Sinceramente achava tolo, mas ao fim eram pessoas que gostavam de conversar comigo, de discutir os textos, de escrever cartas que trocávamos, pois nem sempre eram possíveis reuniões, uma vez que ser visto comigo depunha contra a pessoa, pelo menos na visão do padre vigilante e do monsenhor.
Certa vez eles colocaram em uma de nossas discussões a questão da fuga, querendo saber o que achava, ao que respondi:
 - Uma ousadia!
 - Mas, possível? Perguntou um deles.
 - Tudo é possível ao homem determinado, disse.
 - Ninguém conseguiu, disse outro.
 - Provavelmente porque foram fugas desesperadas, pois não basta querer fugir, é preciso aprender a fugir, ou antes, como prefiro pensar, evacuar. A fuga é uma arte e uma ciência, já que o difícil não é escapar, mas não se deixar pegar depois, e, no nosso caso, também não se perder pela floresta.
 - E os barcos?
 - Os barcos de pouco valem sem os motores. No remo, logo se alcança com barcos motorizados, além da mística que corre que nunca foram roubados, nem os barcos, muito menos os motores. Naturalmente, sempre há uma primeira vez..... Mas, estranho o interesse de vocês por esse tema, visto que o único que está internado aqui contra a vontade sou eu e vocês escolheram o sacerdócio, podendo sair a qualquer momento.
 - É que queríamos saber se não está pensando em fugir. Se fugir, gostaríamos de ir contigo.
 - Colegas, por que fariam isso?
 - Porque você parece saber mais que os professores sobre a mensagem de cristo, nunca vimos ninguém tão cristão, nunca vimos praticar qualquer mal, ou mesmo pensar em praticar.
 - Já disse que não sou cristão e a existência ou não de deus me é indiferente. E mais, acho que os homens não são ovelhas que precisam de pastores, mas vermes a devorarem a crosta terrestre, e que para evoluírem precisam se tornar amorais. Vocês sabem bem que para mim a religião é parte do problema humano, nunca parte da solução. Assim, por que iriam comigo?
 - Na verdade, desde que ouvimos o seu texto, você se tornou a grande luz desse lugar para nós. Sem você, aqui se tornaria pura treva, para não dizer o tédio, pois que é a única coisa diferente que por aqui ocorre. Temos prestado atenção nos seus feitos e ditos, e todos eles estão repletos de virtudes; mesmo injustiçado, é justo; mesmo quando poderia pedir clemência, ergueu a voz e suportou a dor.
Bom, como se percebe, não sei porque, acabo atraindo pessoas, e como se sabe entre as pessoas há um pouco de tudo. Logo, poderia confiar neles e utilizá-los para essa evasão, ou como parece mais apropriado quando se trata da minha pessoa, essa evacuação? Não estaria algum deles como um agente infiltrado do monsenhor? Afinal, só tocaram nesse assunto após constatarem que estava pedindo para pegarem livros sobre florestas, de geografia, de navegação diurna e noturna. Talvez, tivesse chegado o momento de confiar nos colegas para melhor instrumentalizar a evacuação, que sendo em vários, exigiria um planejamento mais apurado. Por outro lado, como tinha meus passos restritos dentro do seminário, além de extremamente vigiado, eles poderiam obter tudo que para mim até o momento estava interdito, inclusive suprimentos, uma vez que um deles era ajudante da cozinha e outro trabalhava no estoque geral.
Pensava nisso quando adormeci. Sonhei. No sonho meus pais pareciam contentes comigo porque estava me formando em odontologia, como era a vontade deles. Na formatura, peguei o diploma e logo depois dei para eles e disse:
 - Eis o que queriam. Posso agora ficar sem fazer nada?
Acordei. Também, pudera, depois desse pesadelo, eu deformado por alguma profissão.... perderia minha essência mais pura, daquele que sabe que ninguém sabe porcaria nenhuma. Para ser bem honesto, o único profissional que merece algum respeito da minha parte são os lixeiros. No mais, só vejo vaidades e soberba da diversificada fauna de profissionais.

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