segunda-feira, 22 de abril de 2013

Democracia à brasileira: um prato indigesto

Poucas coisas desagradam tanto o meu paladar como o tirânico horário eleitoral gratuito. Entre outras coisas, dá gases e é uma ofensa à inteligência, onde se faz publicidade de realizações torpes, mas que jamais propaga qualquer ideia razoável de política: há apenas a grande maioria dos políticos querendo se qualificar, desqualificando seus adversários, sendo um universo tão pouco confiável, que, é claro, poucos respeitam os desqualificadores ou os desqualificados. Uma tirania que nos obriga a escutar ou assistir ideias tolas, para não dizer estúpidas, propaganda enganosa e mentiras deslavadas, como se o direito de algum idiota querer dizer suas idiotices, torne obrigatório todos termos que escutá-lo. Além disso, há a tirania do voto, aquela bobagem que somos obrigados a fazer a cada dois anos, onde se gasta muito dinheiro em coisas que acabam no lixo. Nada mais antidemocrático que ser obrigado a votar, a não poder manifestar sua opinião política e seu desagrado de não querer participar dessa imundice que os políticos fazem. Afora ainda o fato que o voto é eminentemente aristocrático e não democrático, como se ilude a grande maioria, na medida em que se escolhem os melhores, aqueles que acreditam que tem mais idoneidade de que os demais, e o princípio democrático é o sorteio entre todos os cidadãos iguais, igualmente aptos para governar ou ser governado, e ninguém é melhor ou superior a ninguém para exercer qualquer função política. A escolha de pessoas pelo voto foi uma criação aristocrática que pressupõe uma desigualdade inerente entre as pessoas, havendo pessoas melhores e piores, o que é uma percepção antidemocrática. Democracia tem sido sempre algum tipo de tirania da maioria sobre a minoria, havendo inclusive um excesso de preconceitos democráticos disseminados na cultura brasileira, que acredita que tudo pode ser resolvido pelo voto. A verdade, por exemplo, não é algo que se delibere por votação, mas produto de uma investigação. O certo também não. A única coisa que se estabelece por voto são os interesses majoritários. Interesses não são certos ou justos, é apenas manifestação de vontades particulares ou grupais. As leis são tão somente a manifestação da vontade geral, que nem sempre acerta, nem sempre é justa, e por vezes, nem é clara ou honesta, e podem ser estabelecidas por votação, quando se tem pressa em estabelecer uma norma jurídica, mais do que procurar entender o problema; muitas vezes o problema está em querer estabelecer normas para todos ou regulamentar a vida das pessoas dentro de um padrão comum num universo de pessoas distintas.
O que é realmente democrático, aceitar as diferenças de pensar, sentir, dizer e agir, respeitar as escolhas pessoais antes que delimitá-las ou nivelá-las, dar espaço para as minorias se manifestarem e existir, antes de submetê-las às vontades majoritárias, aqui no Brasil nem ao menos é entendido, ainda mais aceito. Aqui a maioria decidiu a minoria tem que submeter. Qualquer tentativa de descriminalização de práticas minoritárias, que deveriam estar sob a alçada da consciência individual (e nunca sob arbítrio da maioria), como jogo, drogas, aborto, eutanásia é sumariamente proibido pela maioria, que se acha no direito de determinar o que é certo e errado para todos, e nada mais tirânico e antidemocrático do que isso. Enfim, a única coisa que restou de democrático nessa fétida democracia brasileira, que ainda não foi eliminada totalmente, é o precário direito de expressão, ainda que não forneçam meios para se expressar, sejam os meios mediáticos, sejam os recursos retóricos, findando, como ocorre com a maior parte dos direitos, sendo uma liberdade de direito, mas não de fato. É claro que qualquer um pode ir à internet e gritar para o mundo, mas como está todo mundo gritando, só poucos escutam os gritos, além do fato que virou uma banalidade protestar ou falar mal de tudo e de todos. Eis porque, daqueles que escutam, poucos levam a sério o que ouvem. Restaria ainda a possibilidade de mudar de país, o que não faço por preguiça e comodidade, pois ainda que a democracia brasileira seja tirânica e tola, como as leis não são sérias, há tanta brecha na legislação, que qualquer um faz (ou não faz, como prefiro) o que quiser. Naturalmente, isso resulta numa sociedade violenta e cara, mas como a violência pouco me atinge porque pouco tenho, e a maior parte do encarecimento social tão pouco chega perto de mim porque pouco quero, vivo tiranizado pelo horário eleitoral gratuito e pela obrigatoriedade de votar, mas no mais, como os governantes nem me notam (assim como a maior parte de nós), muito menos o Estado, risco nenhum corro. A rigor nem votar, voto, pois não preciso comprovar nada para ninguém, já que nem quero mamar nas tetas do Estado (ser funcionário público, pegar empréstimos estatais, bolsas, prestar serviços ao Estado etc.), muito menos pretendo sair do país, nem pretendo fazer empréstimos, e sei lá mais o quê se exige comprovação de quitação com a (in)justiça eleitoral, aliás, nem sabem que não tenho título de eleitor. Verdade que tiranias podem matar não apenas perseguindo as pessoas, mas sendo indiferentes aos tiranizados, porém, no meu caso, a indiferença estatal e governamental para com todos é útil e benéfica, essencial para a minha sobrevivência. O fato é que ainda que o Estado e a sociedade brasileira queiram tomar conta de tudo, pouco tomam conta de qualquer coisa, e se não prestam atenção em suas imensas cagadas, como notarão algumas pequenas bostas feitas pelos pacatos cidadãos?

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