Poucas
coisas desagradam tanto o meu paladar como o tirânico horário eleitoral
gratuito. Entre outras coisas, dá gases e é uma ofensa à inteligência, onde se
faz publicidade de realizações torpes, mas que jamais propaga qualquer ideia
razoável de política: há apenas a grande maioria dos políticos querendo se
qualificar, desqualificando seus adversários, sendo um universo tão pouco
confiável, que, é claro, poucos respeitam os desqualificadores ou os
desqualificados. Uma tirania que nos obriga a escutar ou assistir ideias tolas,
para não dizer estúpidas, propaganda enganosa e mentiras deslavadas, como se o
direito de algum idiota querer dizer suas idiotices, torne obrigatório todos
termos que escutá-lo. Além disso, há a tirania do voto, aquela bobagem que
somos obrigados a fazer a cada dois anos, onde se gasta muito dinheiro em
coisas que acabam no lixo. Nada mais antidemocrático que ser obrigado a votar,
a não poder manifestar sua opinião política e seu desagrado de não querer
participar dessa imundice que os políticos fazem. Afora ainda o fato que o voto
é eminentemente aristocrático e não democrático, como se ilude a grande
maioria, na medida em que se escolhem os melhores, aqueles que acreditam que
tem mais idoneidade de que os demais, e o princípio democrático é o sorteio
entre todos os cidadãos iguais, igualmente aptos para governar ou ser
governado, e ninguém é melhor ou superior a ninguém para exercer qualquer
função política. A escolha de pessoas pelo voto foi uma criação aristocrática
que pressupõe uma desigualdade inerente entre as pessoas, havendo pessoas
melhores e piores, o que é uma percepção antidemocrática. Democracia tem sido
sempre algum tipo de tirania da maioria sobre a minoria, havendo inclusive um
excesso de preconceitos democráticos disseminados na cultura brasileira, que
acredita que tudo pode ser resolvido pelo voto. A verdade, por exemplo, não é
algo que se delibere por votação, mas produto de uma investigação. O certo
também não. A única coisa que se estabelece por voto são os interesses
majoritários. Interesses não são certos ou justos, é apenas manifestação de
vontades particulares ou grupais. As leis são tão somente a manifestação da vontade
geral, que nem sempre acerta, nem sempre é justa, e por vezes, nem é clara ou
honesta, e podem ser estabelecidas por votação, quando se tem pressa em
estabelecer uma norma jurídica, mais do que procurar entender o problema;
muitas vezes o problema está em querer estabelecer normas para todos ou
regulamentar a vida das pessoas dentro de um padrão comum num universo de
pessoas distintas.
O que é
realmente democrático, aceitar as diferenças de pensar, sentir, dizer e agir,
respeitar as escolhas pessoais antes que delimitá-las ou nivelá-las, dar espaço
para as minorias se manifestarem e existir, antes de submetê-las às vontades
majoritárias, aqui no Brasil nem ao menos é entendido, ainda mais aceito. Aqui a
maioria decidiu a minoria tem que submeter. Qualquer tentativa de
descriminalização de práticas minoritárias, que deveriam estar sob a alçada da
consciência individual (e nunca sob arbítrio da maioria), como jogo, drogas,
aborto, eutanásia é sumariamente proibido pela maioria, que se acha no direito
de determinar o que é certo e errado para todos, e nada mais tirânico e
antidemocrático do que isso. Enfim, a única coisa que restou de democrático
nessa fétida democracia brasileira, que ainda não foi eliminada totalmente, é o
precário direito de expressão, ainda que não forneçam meios para se expressar,
sejam os meios mediáticos, sejam os recursos retóricos, findando, como ocorre
com a maior parte dos direitos, sendo uma liberdade de direito, mas não de
fato. É claro que qualquer um pode ir à internet e gritar para o mundo, mas
como está todo mundo gritando, só poucos escutam os gritos, além do fato que
virou uma banalidade protestar ou falar mal de tudo e de todos. Eis porque, daqueles
que escutam, poucos levam a sério o que ouvem. Restaria ainda a possibilidade
de mudar de país, o que não faço por preguiça e comodidade, pois ainda que a
democracia brasileira seja tirânica e tola, como as leis não são sérias, há
tanta brecha na legislação, que qualquer um faz (ou não faz, como prefiro) o
que quiser. Naturalmente, isso resulta numa sociedade violenta e cara, mas como
a violência pouco me atinge porque pouco tenho, e a maior parte do
encarecimento social tão pouco chega perto de mim porque pouco quero, vivo
tiranizado pelo horário eleitoral gratuito e pela obrigatoriedade de votar, mas
no mais, como os governantes nem me notam (assim como a maior parte de nós),
muito menos o Estado, risco nenhum corro. A rigor nem votar, voto, pois não preciso
comprovar nada para ninguém, já que nem quero mamar nas tetas do Estado (ser
funcionário público, pegar empréstimos estatais, bolsas, prestar serviços ao
Estado etc.), muito menos pretendo sair do país, nem pretendo fazer
empréstimos, e sei lá mais o quê se exige comprovação de quitação com a
(in)justiça eleitoral, aliás, nem sabem que não tenho título de eleitor. Verdade
que tiranias podem matar não apenas perseguindo as pessoas, mas sendo
indiferentes aos tiranizados, porém, no meu caso, a indiferença estatal e
governamental para com todos é útil e benéfica, essencial para a minha
sobrevivência. O fato é que ainda que o Estado e a sociedade brasileira queiram
tomar conta de tudo, pouco tomam conta de qualquer coisa, e se não prestam
atenção em suas imensas cagadas, como notarão algumas pequenas bostas feitas
pelos pacatos cidadãos?
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