sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Notas sobre o meu existir N° 1

Muitos estranham quando se deparam comigo pela primeira vez por portar algumas peculiaridades. A primeira delas, mas não necessariamente a mais peculiar ou interessante, é o fato de ser um celibatário. Não apenas recuso-me a casar, mas, fundamentalmente, não quero ter filhos (nada mais anti-ecológico do que colocar mais um consumidor no mundo). Não tenho aversão às mulheres, pelo contrário, sou atraído, como a maioria, pelo sexo oposto. Outra coisa completamente diferente é achar que essa convivência seja saudável sob o mesmo teto, como se não fossem também dois corpos estranhos, além de considerar o casamento algo arcaico. Não que recuse a presença feminina na minha vida, pelo contrário, porém, desfruto com muito comedimento, aliás, como faço com tudo; no entanto, a convivência seria insuportável, principalmente no aspecto da limpeza. A segunda coisa que causa algum estranhamento é decorrente da mera recusa a tomar muitos (mais de um já seria uma exorbitância) banhos durante a semana. Não só isso, mas também a minha recusa em usar sabonetes e demais futilidades que o acompanham, do shampoo ao desodorante, nem sequer um cotonete; nada mais decadente e burguês. Uma das coisas que mais prezo é viver com a minha imundice com toda dignidade. Nem sabonetes, nem outras inutilidades cheirosas, que tentam disfarçar ou esconder o nosso cheiro próprio. A água me basta para tirar o cansaço ou o suor. A terceira, que mais desacreditam da minha capacidade e que é uma das quais mais virtudes me acrescenta, é o fato de apesar de ter nascido em 07/07/1977, ou seja, com quase 34 anos, até hoje nunca trabalhei, nunca sequer tirei carteira de trabalho, nem ao menos quero o trabalho de tirá-la. Perguntam como posso odiar tanto o trabalho, a ponto de, com orgulho, poder afirmar nunca ter exercido essa função primitiva. Entre outras coisas porque acho o dinheiro uma merda e com ele tudo acaba em bosta. Está certo que ele traz poder sobre pessoas fracas, quase todos, mas traz também o servilismo para mantê-lo, ou, pior ainda, o que é mais comum, para ampliá-lo! Quanto mais coisas se têm, mais tempo se perde para mantê-las, nem que sejam limpas. Enquanto eu, se não tenho como comprar os supostos prazeres da vida, nada tenho para ser roubado. Por fim, não negarei que por vezes sou um tanto misantropo, afinal, entre tantas qualificações que desqualificam uma pessoa e que me são atribuídas, essa, com certeza, não é das piores.
Perguntam como sobrevivo sem trabalhar neste mundo do trabalho, sem o qual aparentemente não se sobrevive. A resposta é simples, mas não definitiva, e com certeza é extensa. Em parte, vivo à custa da minha mãe, ou melhor, da pensão que recebe do meu falecido pai, um general conhecido e afamado, na década de 70, e logo depois fez questão de passar despercebido, como um dos comandantes da época da ditadura militar. Coisa boa sei que não fez, mas a pensão é polpuda e a miséria que a minha mãe dá por mês (e sem direito a 13º, o que considero uma injustiça) é suficiente para sobreviver, numa pequena casa que herdei de um tio.  Meus irmãos acham que sou um explorador de velhinhas, vivendo à custa dela até hoje, mas apesar dela ter 81 anos, com certeza não é uma pobre velhinha. Só concedo que ela seja velha, mas muito ativa, de generoso coração e a única da família que entende exatamente o que sou: um ocioso por opção e um despojado por auto-educação. Um minimalista com as coisas, que vive sem luxo algum, e (o que ela mais estranha) sem querer luxo algum, pelo contrário, odiar qualquer coisa que tem preço, com exceção de comida, roupa e um teto para abrigar-me das intempéries climáticas, e me proteger da violência da vida, reservando um espaço para a minha privacidade. E quando ela morrer, como farei para sobreviver? Alugarei um dos quartos da minha casa: tudo que é meu ocupa apenas um pequeno quarto, com uma cama, um armário, um criado mudo com abajur, um baú onde guardo poucos livros e uma mesa com computador, alguns livros retirados de bibliotecas que frequento e papéis onde escrevo.  Muitos amigos sugerem que faça isso agora, antes da morte da mãe, para aumentar a renda, ao que respondo que não preciso aumentar a renda, e que ser locador, já será algo repugnante, pois é um trabalho. Naturalmente, tenho outra fonte de renda, que no devido tempo e depois de esclarecidas as circunstâncias, será revelada.
Quanto ao meu ódio ao trabalho, é porque sou um anticapitalista por princípio, ainda que reconheça alguns méritos do capitalismo, como o leite condensado (um dos poucos luxos que desfruto, pois minha carne é fraca, e qualquer princípio vai para o espaço quando impera o desejo) e a luz elétrica. Faço também uma concessão mais recentemente ao computador e a internet. E ainda que isso alimente o capitalismo, o fato real e inegável, é que mesmo a luta contra o capitalismo, desenvolve o capitalismo. Para falar mal dele é preciso imprimir livros, revistas, fazer propagandas e filmes, e tudo isso se faz com dinheiro gasto com o comércio e a indústria. Dos luxos que a sociedade possibilita, fico com o sal, a luz elétrica, o computador, as bibliotecas e o contato esporádico com as pessoas.
Reconheço que minha solução própria de vida seria inaplicável aos demais; exige certo preparo filosófico, um exercício de aperfeiçoamento intelectual que poucos estão dispostos a trilhar. Enfim, poucos conseguem atingir o nível de achar o sabonete não apenas dispensável, mas desprezível; poucos conseguem considerar 3 refeições ao dia um luxo da obesidade contemporânea; poucos conseguem perceber que dinheiro, poder e fama, aprisionam antes de libertar. Como epígono do cínico Diógenes e do sátiro Nietzsche, vivo o mais próximo da natureza e refuto o artificialismo e a futilidade da vida social, que tomam tanto tempo e trabalho dos homens que poderiam ser mais bem utilizados. Dedicado à ociosidade, proletário da vagabundagem, considero que se trabalha muito para se conseguir um monte de porcaria. Quanto menos coisas tenho, mais livre me sinto. Repito, nada tenho para ser roubado, nem a vida, que veio sem pedir e que sairá sem que queira. Tenho palavras, algo que ninguém rouba, porque pertence a todos e cada um pode usar como melhor lhe apetecer.
Minha escolha pela vida solitária é decorrência da vida dedicada à pesquisa e investigação da quantitativa ignorância humana, infinitamente superior as sabedorias. Mesmo as sabedorias, de tempos em tempos, passam para o campo da ignorância; tudo é uma questão de tempo. Para entender em sua plenitude e profundidade essa opção de vida, para não apenas justificar suas assertivas, mas legitimar sua veracidade, para não acharem que é só loucura ou bravata da minha parte, creio que será necessário paciência para acompanhar a minha trajetória própria, que vou passar a contar a partir de agora, com notas sobre a minha existência, como fui conquistando essas virtudes. Acredito que minha história poderá trazer uma luz nova sobre antigos acontecimentos mundiais, ou pelo menos servirá de modelo para aqueles que pretendem travar os árduos caminhos da autonomia individual e a conseqüente dissidência social.

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