quinta-feira, 2 de maio de 2013

Uma filosofia e um filosofar

Não sei por que, mas alguns me chamam de filósofo, talvez, por me ouvirem dizer que sou um epígono de Diógenes, o cínico. Talvez, porque defenda o ócio com muita convicção e sem pretensões de obter algum ganho que não seja o saudável nada fazer. Talvez, porque nada cobre para expor minhas ideias, que, verdade, poucos estão dispostos a ouvir. Há ainda aqueles que por perceberem que não tenho profissão, nem renda, e por vezes escrevo algumas coisas, que me aproximo daquilo que acreditam ser um filósofo, alguém que perde seu tempo com o nada, tão rico de tudo que é porcaria que se inventa. Enfim, minha vida parece criar algum estranhamento, alguém que está sempre estudando, mas não se forma em nada, alguém que está sempre lendo e que conhece infinitas coisas, e, no entanto, não se dedica a aplicação ou ganho remunerado com nenhum dos seus conhecimentos. Bom, não sei se faço jus ao título que me dão, visto que os filósofos têm certo ar de condutor de homens, o que não é o meu caso, que posso quando muito me esforçar por não ser conduzido pelos demais, pelas tiranias sociais a exigir comportamentos adequados para toda situação. O fato é que se tenho um filosofar, o mesmo se caracteriza por tentar conduzir minha vida de forma digna, sem me ajoelhar ou me vender aos costumes. Minha filosofia me impõe leis mais obrigatórias que as leis civis, obrigando-me à honestidade; ela amplia meu entendimento e minhas obrigações sobre mim e sobre o mundo. Enfim, se há em mim um filósofo, o mesmo se manifesta toda vez que entro em conversação com os demais, quando interrogo ou sou interrogado sobre a vida, ou, o que é mais comum, sobre as merdas da vida, visto que essas permanecem mais tempo atormentando as pessoas atormentadas. Alguns acham que tenho uma filosofia triste, o que longe está da verdade; o que entristece é saber a verdade, o que é uma característica da defesa intransigente da veracidade. Por fim, há o fato de falar muito da morte, do suicídio, da eutanásia, do aborto, dessas coisas irreversíveis, desses atos legítimos do desespero humano, fruto da sua liberdade de escolha, nem condenando, nem enaltecendo, apenas salientando a infinita possibilidade humana de plasmar coisas que mexem com os valores de todos. Por tudo isso, sou tido por filósofo, alguém que defende ideias e vive segundo elas, que se contenta com boas discussões, que se delicia com novas descobertas, que procura a sabedoria em toda atividade, mesmo naquelas mais inocentes. Dizem até que tenho uma metafísica, que é do adubo que se irradia a vida e que é no intestino que se plasma nossas ideias. Que tenho uma epistemologia, que se aprende mais com os erros do que com os acertos. Que tenho uma ética, que o certo é uma questão que se estabelece no momento e na circunstância. Que tenho uma lógica, por pior que esteja, ainda pode piorar, ou morrer. Que tenho uma estética, que o belo é quase sempre fútil. Portanto, o título me cabe até certo ponto, visto que sempre mamei muito nos filósofos, e que, como muitos deles, busco um caminho próprio. Porém, o título fácil de ser obtido, é também facilmente perdido, pois o título definitivo é sempre dado pela posteridade, que carregará sua influência para o presente, ou não. Estejam certo, se tenho uma filosofia e conseguir ensinar alguma coisa, será fundamentalmente para que se aprenda a aprender, pois o pior não é a ignorância, mas o asco em querer aprender e a satisfação com uma ilustração elementar que não ultrapassa a superfície das coisas e antigos preconceitos; uma filosofia militante da sabedoria que ensina a pensar com o próprio intestino, que defende que a felicidade não está no trabalho, nem na riqueza, nem no prazer, mas em se obter bons amigos e poucas obrigações. E perguntarão: e daí? Que importância tem um filósofo hoje, ou melhor, o que se ganha sendo um filósofo hoje ou em qualquer época? Rigorosamente nada, pois não é uma questão de ganhos, mas de abertura de caminhos, e a importância da filosofia não está tanto nos resultados práticos, mas na formação de mentalidades, na promoção da formação humana. Se há uma coisa que aprecio na filosofia, é que ela é uma arte liberal, e não serviçal; não está aqui para servir, mas para libertar dos serviços e pensar na vida, princípio que adoto sempre, fazendo o mínimo possível para sobreviver e dedicando a maior parte a contemplação da vida mundana que levamos. Assim, sendo um filósofo, vou a praça expor minhas ideias e debater as ideias dos outros, sem me preocupar com outra coisa que não seja a verdade, que se espera surja do debate e da discussão, pois a verdade nunca é algo que existe de antemão, mas surge quase sempre após o inquérito racional dos homens.

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