sábado, 20 de abril de 2013

A fedentina da justiça

Dentre as inúmeras incoerências humanas, a justiça merece destaque pelas injustiças que vem promovendo nos ingênuos humanos. Contrariamente ao que afirmam a maioria dos pensadores há milênios, não é porque temos o sentimento de justiça, ou a desejamos, ou mesmo por sermos justo, que se criou a justiça, ou por causa de bons sentimentos, ou porque os bons pretendem limitara o poder dos maus, mas porque se têm medo se sofrer injustiças. Não são para as virtudes que se deve olhar para entender a origem da justiça, mas essencialmente para a sua falta, além dos vícios.
Foi graças às pessoas más que se criaram as leis, foi para conter a maldade ou a ganância que elas foram inventadas. E não necessariamente foram as pessoas boas que as fizeram, pois mesmo os maus não querem sofrer injustiças e têm interesse que haja justiça, apenas se acham no direito de eventualmente não praticá-la. Enfim, a justiça foi inventada porque as pessoas são injustas. Uma justiça de homens maus nunca pode dar em boa coisa.
Fossem os homens bons, honestos, não violentos e justos, então, a lei seria desnecessária. E a razão porque os homens não são assim é simples, basta por a mão na consciência e saberá quantas injustiças se escondem em nossos desejos. Ora, o certo todos sabem, tanto que só realizam as coisas erradas escondidos, clandestinamente. E assim, toda grande injustiça social decorre apenas das pequenas injustiças individuais, e jamais se consertará qualquer coisa no mundo, sem antes de consertar a si.
O fato é que, por simples e fácil saber o que é certo, não acarreta que seja fácil e simples praticá-lo, pois ainda que seja algo desejável de receber, poucas vezes parece conveniente realizá-lo. Por exemplo, ainda que o certo seja dizer o que se pensa, por vezes é preferível calar, ou então falar diferentemente do que se pensa. Assim, por desconfiança mútua, por nos acharmos incapazes de ter boa vontade de praticar o certo, e que o interesse próprio sempre pode prevalecer sobre o interesse comum, que criamos leis coercitivas para obrigar a todos, ou pelos menos a maior parte, não a fazer o certo, mas a cumprir a lei; não é das pessoas propriamente que se espera a justiça, mas do cumprimento da lei pelas pessoas. E os que não se contém e descumpre a lei, punição.
Afinal, a justiça é apenas o primitivo sentimento de vingança disfarçado, pois quando se sofre alguma injúria, deseja-se ao injusto o pior dos castigos. Eis porque muitos acham as leis brandas, já que o desejo majoritário é que o injusto morra. Não se deseja discutir o que é justo ou apropriado para aqueles que mais seguem suas inclinações do que sua razão, e não cumprem o dever da lei, querem apenas punir a pessoa por isso. Entretanto, o mal sofrido pode ter origem diversa, da ignorância, do medo, do equívoco, da insensibilidade e até mesmo da maldade; a punição, a vingança, se for eficaz, o que não acredito, só se aplica à maldade. Punir a ignorância é crueldade, visto que a ignorância já é o pior castigo que alguém pode sofrer. Punir o medo, o aumenta, não o elimina. Punir o equívoco é inútil, pois ninguém escolhe se equivocar, é algo involuntário que ocorre a todos. Punir a insensibilidade apenas aumenta a mesma. Já a maldade pode justificar a punição e a vingança, mas dificilmente a legitima.
Na realidade toda injustiça começa ao se querer estabelecer a justiça: via de regra, os mais fortes imporão aos mais fracos seus critérios, seus princípios, mas principalmente sua vontade. E é do exercício da força de uns sobre os outros, que surge a tola noção que se pode estabelecer uma justiça entre fortes e fracos, ou que haja um exercício legítimo da força, quando a força, em si, é violência, ou seja, injustiça. E como, ainda que fraco, um homem é um homem, é capaz de subjugar a força, ou enganá-la, os conflitos dos homens se estendem pelos séculos.
Desconsiderando a hipótese de alguma má índole de origem biológica, suponho que as mesmas se construam culturalmente, e assim como viemos formando índoles boas e más no decorrer dos séculos, o fato é que fundamentalmente se plasmam índoles ignorantes, fracamente ilustradas, deficientemente educadas, aptas apenas para captar tudo que o desejo lhe apresenta e não olha para nada. Construindo pessoas justas haverá justiça, do contrário, ainda que não se plasme necessariamente pessoas injustas, as mesmas agindo apenas atrás dos seus interesses, faz de quase todos pessoas interesseiras, que é o que mais promove as infindáveis injustiças que se sofre e que se pratica cotidianamente, das menores às maiores ações promovidas.
Mas o justo não pode ser estabelecido por leis; ele se estabelece em cada momento e em cada circunstância de forma diversa, eis porque as leis fedem ao querer estabelecer o certo para todos: cria o errado para muitos. Desse errado, logo se passa a ser considerado ilegítimo, para depois ser injusto, e por fim punido. De um lado a lei pressupõe uma pessoa que a entenda e que a cumpra, mas desconfiando do entendimento e da obediência de todos, estabelece também punição para os desobedientes. Por outro lado, a lei que estabelecem direitos e deveres pressupõe que todos desejam os mesmos, ou que é necessário a todos. Por fim, a lei pressupõe que os homens são incapazes de fazer o certo e o justo sem a coerção da espada que lhe acompanha. As três pressuposições estão equivocadas.
Para começar, considero a premiação mais eficaz para induzir alguém ao certo do que a punição. Deve-se contar antes com o interesse da pessoa, do que com a sua boa vontade, pois ainda que a mesma possa ser desejada, não deve ser esperada; o que move a todos são os interesses, e mesmo a boa vontade, carrega consigo algum interesse. Além disso, se pressupor que as pessoas entendam e cumpram uma norma, a mesma deixa de ser norma: o que falta é entender a norma, e não punir aqueles que não entenderam, visto que qualquer pessoa normal, se entende o espírito da lei, a necessidade e a justiça da mesma, raramente a desobedecerá. Por fim, direitos e deveres me parecem um arcaísmo feudal, de senhor e escravo. Um homem livre deve seguir suas próprias leis, não se submeter às leis externas e criar leis comuns.
Como obter pessoas justas antes de construir tribunais de justiça é uma questão elementar, é só usar a educação para ao invés de deformar os homens para serem tão somente profissionais e consumidores, e transformá-la em formadora de cidadãos da humanidade e habitantes do planeta. É óbvio que não se pode ser ingênuo que isso impedirá a ocorrência de qualquer ato injusto. Há pessoas patologicamente más e injustas que educação alguma conserta. Pessoas mesmo bem educadas podem se equivocar, podem ter ignorâncias para algumas circunstâncias ou em alguns momentos. As pessoas também podem se iludir e se enganar. A grande diferença entre uma pessoa formada para ser justa, daquela deformada para reivindicar justiça dos outros, é que a primeira tem a possibilidade de perceber o erro e agir para o seu acerto, se sente parte do processo da realização da justiça, além de recepcionar as ações alheias não como injúrias a serem punidas, mas como ignorância a ser remediada. Enquanto a segunda apenas sabe alimentar mágoas sobre supostas injúrias recebidas, e requer a força para obter alguma compensação.
Para mim a justiça de retribuir o que se recebe só é válida quando se retribui o bem, nunca o mal. O mal jamais se retribui, pois o mesmo só se anula no exercício do bem, e jamais com a eliminação de pessoas supostamente más. Quanto mais as pessoas são boas, menos pode o mal agir, e quanto mais as pessoas são mal formadas, mais o mal pode reinar, principalmente de forma involuntária.
Devemos ter em conta que a justiça tem sido sempre uma coisa que interessa aos fracos, pois como os fortes não se submetem, raramente sofrem injustiças. Mas, podem praticá-la, não por alguma maldade intrínseca, porém ao seguirem sua vontade institui seu interesse aos fracos. Há os que condenam a existência dos fortes, entretanto, se for para condenar alguma coisa, condenem-se os fracos, pois a força só pode ser exercida sobre a fraqueza, enquanto a força contra outra força se equilibram. O que faz pender a bandeja da justiça para os fortes, não é apenas a ação dos fortes, mas também a submissão dos fracos. E os fracos ao invés de buscarem ser fortes, querem limitar o exercício da força, que faz que a força extrapole os muros de contenção aqui e ali; nada que é forte tende a ficar inerte. O fraco tem medo de tudo e tudo quer proibir, limitar, controlar, submeter, procurando uma segurança inexistente, como se pudesse conter o desenvolvimento humano, a corrente dos movimentos históricos, os pulos do conhecimento e da ousadia de agir de qualquer pessoa forte, que tem coragem para saber e não tem preguiça para empreender. E por mais que se faça, o forte fará a sua justiça e não se submeterá à justiça dos fracos. Não é tanto que a justiça do forte seja tirânica, mas antes não se submetendo a nenhuma injustiça, só realiza aquilo que acha certo, e que pode ser considerado errado pelos fracos.
Todavia, só há igualdade quando nos fazemos iguais, não quando queremos que as pessoas sejam homogeneizadas pelas leis. Só há liberdade quando se exerce a liberdade; ela não é um direito, é uma opção pessoal que não se dá ou se tira. Assim como só há justiça quando se busca ser justo, mesmo que nem sempre se consiga. Leis externas aos homens, estabelecidas em constituições, ainda que possa ser considerada uma conquista da civilidade, é antes um atestado de incompetência educativa, para ensinar a agirem de forma ponderada, com leis próprias quando se trata de sua vida e seus interesses, e segundo leis de respeito mútuo, quando relacionada aos demais.
Mas, enfim, pode a humanidade algum dia ser justa? Ou talvez seja melhor perguntar, pode a humanidade deixar de ser injusta? A essa questão cada um deve dar a sua resposta. De minha parte posso garantir, antes de ser justo, procuro não ser injusto, pois achar que se pode ser justo sempre, impede de ver as injustiças que se comete involuntariamente, e procurando não ser injusto, se não sou justo, ao menos cometo menos injustiças, ou tenho essa esperança.... ou ilusão.....

sábado, 13 de abril de 2013

Declaração Universal dos Deveres Humanos

É com certo tédio e asco que constato que desde a Revolução Francesa até hoje tem se tentado instituir os Direitos Humanos. Deixando de lado as boas intenções que isso envolve, e o fato que aqui ou ali haja maior ou menor respeito aos mesmos, o fiasco na sua plena obtensão se deve essencialmente por ser o direito um fim fácil de entender e mais fácil ainda de desejar, todos querem, sem perceberem que todo fim necessita de meios para serem obtidos. Ou seja, um direito aqui exige um dever ali, não havendo direitos se não houver antes o cumprimento dos deveres: antes que ausência de direitos, que é uma consequência, a humanidade sofre por descumprimento dos deveres. Enfim, as pessoas precisam ser educadas para entenderem os deveres, assim como desejá-los, antes que sair por aí bradando por direitos, que muitas vezes são tão somente privilégios. É preciso aprender que há beleza, prazer, felicidade e satisfação no cumprimento dos deveres, do contrário, podemos caminhar para uma triste tirania dos direitos.
Assim, no intuito de contribuir com esse processo educativo da humanidade para os deveres e do alto da minha insignificância digna, venho propor essa singela Declaração Universal dos Deveres Humanos, esperando com isso fornecer instrumental necessário para se iniciar um processo educativo de crianças e adultos, menos infantil e que atende apenas os desejos, por uma educação madura que desenvolva a responsabilidade por si e por todos os demais, como membros da humanidade. Antes de cobrarmos o cumprimento dos direitos, deve-se exigir a realização dos deveres, só assim os direitos reinarão.

1. Todo ser humano tem o dever de preservar a vida humana, animal, vegetal e mineral, assim como a própria vida, não sendo um parasita social, esbanjador, destruidor ou porcalhão.

2. Todo ser humano tem o dever de ser honesto no que diz e nas suas trocas, não se admitindo a desonestidade nem com os desonestos, nem para preservar a própria vida.

3. Todo ser humano tem o dever de lutar e defender a justiça, a liberdade e a paz.

4. Todo ser humano tem o dever de respeitar a forma de viver, pensar, sentir e agir alheia, quando a mesma não ameace ou desrespeite ninguém, e seja realizada voluntariamente, nem esteja obrigando nada a ninguém.

5. Todo ser humano tem o dever de participar virtuosamente da vida política e cultural de sua nação, de forma a contribuir para o aperfeiçoamento e emancipação própria e dos demais. A omissão e a apatia são condenáveis como infantilidade e desresponsabilização para com a humanidade.

6. Todo ser humano tem o dever de ser fraterno, solidário, hospitaleiro e tolerante.

7. Todo ser humano tem o dever de tentar se aperfeiçoar e se esforçar por ser uma pessoa melhor.

8. Todo ser humano tem o dever de perdoar quando o outro mostra arrependimento.

9. Todo ser humano, se rico, tem o dever de ser liberal com seus bens e contribuir com a comunidade, com as artes e com as ciências; se pobre, envidar esforços para adquirir independência financeira e autonomia.

10. Todo ser humano tem o dever de respeitar as diferenças de gênero, de idade, de cor, de etnia, aspectos físicos, até mesmo as deficiências.

11. Todo ser humano tem o dever de ter a preocupação de ser bom antes de cobrar bondade alheia.

12. Todo ser humano tem o dever, na procura dos seus interesses, de medir, calcular, julgar e tentar perceber se os mesmos não prejudicam alguém ou não se contrapõem ao interesse comum.

13. Todo ser humano deve buscar a emancipação de todo ser humano, desde a mais tenra infância, criando condições para o desenvolvimento pessoal de todos.

14. Todo ser humano tem o dever de ajudar o próximo, exercitando a piedade e a caridade.

15. Todo ser humano tem o dever de não cobiçar mais do que precisa, nem desperdiçar o que tem.

16. Todo ser humano tem o dever de não matar, não mentir e não roubar como uma obrigação da racionalidade, e não apenas como um mero limite legal.

17. Todo ser humano tem o dever de procurar praticar seus deveres com tanto fervor quanto deseja usufruir seus direitos.

18. Todo ser humano tem o dever de mais do que respeitar os direitos humanos, contribuir para o seu aperfeiçoamento, envidando esforços para torná-los princípios de ação e reflexão, antes que fins interesseiros de pessoas desejosas de privilégios e regalias.

19. É dever de todos não ser uma ameaça a ninguém, seja do ponto de vista físico, moral, psíquico ou espiritual.

20. Todo ser humano tem o dever de lutar por ser justo, antes de lutar por justiça.

21. Todo ser humano tem o dever de ousar saber ou buscar a verdade, tendo coragem de abandonar antigas verdades, assim como não ter preguiça para buscar novas, pois que todo conhecimento necessita de algum esforço.

22. Todo ser humano tem o dever de fazer uso adequado do seu entendimento, buscando entender o outro, antes do que condená-lo.

23. Todo ser humano tem o dever de procurar estabelecer uma harmonia entre a vida individual e a vida coletiva.

24. Todo ser humano tem o dever de se autoeducar desde a infância até o fim da vida, buscando se conhecer melhor e fugir da ignorância, das superstições e dos medos.

25. Todo ser humano tem o dever de morrer pela verdade, pela liberdade, pela justiça e pela paz, sem com isso adquirir qualquer direito de matar por essas causas.

26. Todo ser humano tem o dever de entender que é sempre preferível sofrer o mal que praticá-lo, e que deve mais lamentar o mal realizado, que o mal sofrido.

27. Todo ser humano tem o dever de respeitar a religiosidade ou a falta de religiosidade, pois que são questões indiferentes, desde que a pessoa seja justa.

28. Todo ser humano tem o dever de estabelecer deveres para si próprio e para os demais, desde que não seja por imposição ou tiranicamente.

29. Todo ser humano tem o dever de se esforçar por sua felicidade, sem esperar dos demais sua obtensão.

30. Todo ser humano tem o dever de se esforçar com o fim dos deveres, e que tudo de certo e justo seja apreendido por exercício intelectual e criação de disposições nas pessoas, mais do que por algum tipo de obrigação ou coerção.

 
Naturalmente, ao se cumprir com os deveres humanos, os direitos humanos aflorarão espontaneamente, e a luta para a sua implantação não mais será necessária, substituindo a coerção e punição legal para o respeito do direito, pela força da inteligência direcionando a vontade esclarecida. A luta pelos fins tem que ser conjunta com a luta pelos meios, e não se pode desejar o fim – o direito, sem desejar igualmente os meios – os deveres. No mais, apenas esperar que a humanidade de um salto ético e não apenas quântico.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Da série pensamentos evacuados

Os homens, em geral, se têm em tal conta, que qualquer elogio parece merecido, e qualquer crítica parece ofensa. É que a vaidade é muita e a sabedoria pouca, eis porque as pessoas querem mais honras que as merecidas, mas ao fim se satisfazem com algum dinheiro. É claro, tudo que tem preço não vale nada.

A crise contemporânea

Afirmam que estamos em crise. Não apenas uma crise econômica, o que é usual e cíclica, mas uma crise de valores, morais, de costumes, da família, da religião, das instituições, da política, enfim, uma crise geral, ampla e irrestrita. Mas, em que momento a humanidade não se lamentou de crise, do fim de uma cidade, de uma região, de um império, de uma época, da juventude não querer seguir os antigos costumes? Estar em crise é a situação por excelência que a humanidade sempre se encontra. E nem poderia ser diferente: cada novo indivíduo que adentra ou surge nesse mundão que cada vez mais se estreita com o contato mútuo, pode engendrar novidades, questionar o antigo. Ainda que se nasça num mundo já feito, cada um de nós é capaz de inaugurar coisas que modificam tudo, até mesmo os valores. Afinal, por que as novas gerações deveriam seguir a viver segundo padrões das gerações anteriores, principalmente ao se constatar as tolices dos antigos, seus preconceitos, suas superstições e medos? Deve o novo ficar escravizado às deliberações anteriores à sua existência? Deve o homem contemporâneo se subordinar aos valores dos antepassados? Pode uma geração escravizar a próxima com suas determinações, ou não deve, ou pode, os novos vislumbrar novos horizontes e engendrar algo diferente? O fato é que só vê crise quem acredita que as mudanças não devem existir, ou acredita que qualquer mudança é para pior, ou ainda aqueles que temem perder seus privilégios ou postos sociais, ou a autoridade, o poder, ou o dinheiro. Mudar é bom, importante, necessário e sinal de algum tipo de racionalidade, capaz de perceber os equívocos passados e agir para, senão consertar os erros, procurar outro caminho onde se evita velhas receitas para problemas novos. O que sempre ocorreu e ocorre é que o novo sempre assusta, pois mesmo não questionando o antigo diretamente, impõe modificações no sentir, pensar e agir, e o que parecia sólido e estabelecido aparecem com sua face real, como algo mutável, questionável, transformável, como tudo que se relaciona com o ser humano. A única coisa imutável é a mudança, não como uma obrigação, mas como uma consequência necessária do aprendizado humano.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Minha descrença é mais profunda

Há aqueles que não acreditam em cristo, o que para mim é indiferente sua existência ou não, visto que tirando os cristãos, ninguém leva a sério esta estória de messias. Não acredito é em cristão. Naturalmente, inúmeros professam supostamente sua crença, sua fé, essa coisa meio primitiva que a humanidade carrega como um arcaísmo persistente, nesse ser, porém poucos de fato levam a sério ou a risca o que promulgou. Em primeiro lugar, a morte é um bem, nos aproxima de deus, quando os mortais se livram da carne sedenta e pecaminosa sempre a cobiçar o que não deve, ou mais do que deve, e a alma, liberta do corpo e suas nefastas inclinações, adentra no paraíso. Sendo assim, ao matar um cristão não se faz mal a ele, pois o aproximamos de deus, o que de forma alguma é um mal, a estar certa a tradição cristã. Nem fazemos mal a sua família e dependentes, sendo eles cristãos, pois todos deveriam sentir que foi uma melhora, uma ascendência da indecência humana pecaminosa que beneficiou o falecido. E o que deveriam sentir essas pessoas que perderam o ente querido? Raiva? Não! Pena! Piedade, isso é que manda o cristianismo sentir com os que praticam o mal. Mas, não! Não um mal contra outro, mas contra si mesmo, pois o assassino comete um mal contra si mesmo (ainda que tenha matado outro), e a estar certa a tradição, arderá no inferno. A morte nunca prejudica o morto. Além disso, como diz os textos supostamente sagrados, não se pode fazer mal a alguém protegido por deus. Logo, o que um bom cristão deve sentir? Pena, ser caridoso com alguém que sofrerá eternamente o mal cometido. Deve os cristãos julgar outros cristãos ou homens? Não! O julgamento é prerrogativa de deus, que pode até perdoar um assassino, desde que o mesmo mostre arrependimento. E como poderá os homens condenar se deus pode perdoar? Em segundo lugar, instrui os mandamentos que o cristão seja caridoso e que trate a todos como irmãos, mesmo o estranho, o diferente, até os adversários, e mesmo o mal deve ser retribuído com o bem, e até mesmo um bandido deve ser tratado como um irmão a ser convertido, e não um “satanás” a ser condenado. Em terceiro lugar, manda que se morra pelo certo e justo, mas que jamais se mate por eles, que não se deve matar nem em legítima defesa, pois o único que pode tirar a vida é deus. Poderia continuar a enumerar outros inúmeros princípios cristãos e revelar como os autointitulados cristãos nem de longe cumprem, ou querem cumprir, ou até mesmo pensam a respeito; acreditam que ir na igreja, engolir hóstias, ou rezar é suficiente para serem considerados crentes. Quando vejo quase todos cristãos temerem a morte, saírem por aí a condenar os comportamentos diferentes dos seus, a quererem proibir os demais de seguirem suas crenças, a professarem e praticarem o que acreditam, condenando tudo como obra de satanás, vejo que cristo é apenas o pretexto para exercerem sua arrogância de saberem o que é certo para todos, ou pior ainda, consideram que sabem o que deus quer e são seu porta voz. Deus mandou serem tolerantes, mas a maioria dos cristãos é intolerante; deus mandou não matar, mas a maioria dos cristãos acha que pode matar nas guerras, pela polícia ou em legítima defesa, ou por alguma causa “justa”; deus mandou ser caridoso, não dando esmolas, mas ajudando quando possível, sendo tolerante quando necessário, sendo justo não julgando, mas entendendo; deus ordenou que sejam piedosos até mesmo com os injustos e os maus. Enfim, o que a mensagem de cristo diz e o que os homens fazem, interpretam, deturpam, pervertem, subvertem e sei lá que mais coisas feias fazem com uma mensagem, tola, utópica, é verdade, mas que não deixa de ter alguma civilidade, é algo que deveria ser levado mais a sério pelos cientistas sociais. Eu que não sou cristão fico apavorado com as interpretações que fazem do texto bíblico, que por mais tolo que seja, as pessoas conseguem torná-lo ainda estúpido.

sábado, 6 de abril de 2013

O pastor deputado, o deputado pastor, ou nem um nem outro, apenas o ofensor Marco Feliciano

O Sr. Marco Feliciano é uma figura interessante. Quando expressa seus preconceitos e ofende os demais cidadãos, se defende ora na liberdade de religião, ora na imunidade política, arrogando-se privilégios que falsamente denomina direito de expressar sua opinião tola. Se ofende alguém ou algum setor social, defende-se alegando que fala como pastor; se é imoral, alega a imunidade parlamentar para não ser punido pela opinião difundida. Para mim, esse senhor não serve nem para ser pastor, pois não evangeliza as pessoas, antes julga e condena os que professam outras crenças como satânicos e malignos, muito menos serve como deputado, pois que usa do cargo público para defender os interesses privados de sua igreja. Nem ao menos acredito que seja cristão, pois sem piedade e misericórdia condena os supostos pecaminosos, ou seja todos que não se ajoelham na sua igreja, quando deveria antes ter pena; até onde li da Bíblia, Cristo diz: “Perdoai, eles não sabem o que fazem!”, e não “Condenai, é tudo agente de satanás!”. Para ser honesto, não conheço cristãos de fato, apenas farsantes prontos a condenar e jamais perdoar as ofensas (ou supostas ofensas, pois a pessoa pode se sentir ofendida sem ter sido) recebidas; a condenar antes de ser piedoso, de cobrar antes de ser caridoso, e a prova mais concreta da falta de crença dos cristãos, quase todos temem a morte, nada mais anticristão. De resto, devo dizer que o Sr. Feliciano ofende antes de tudo a minha inteligência com sua opinião, suas posições políticas e religiosas, e com sua imoralidade de se esconder atrás de prerrogativas legais, para cometer suas ilegalidades opinativas, de usar o poder legislativo para impedir os demais, minorias ou não, de adquirir direitos para também realizar sua vida segundo suas crenças, assim como ele o faz, mas que ele quer impedir que os demais façam.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Salvem-se!


Ó destino, qual o seu destino? Se intrometer no destino de todos... Mesmo aqueles que acreditam ter sob suas mãos seu futuro ou seu presente, lá vêm o destino e intercede em qualquer direção, nem planejada, nem querida. Só aqueles com virtudes enfrentam o destino e até mesmo o acaso no caminho sempre pretendido da felicidade. E se não a encontram, ainda assim não ficam infelizes, pois ainda que por vezes não tenham forças para atravessar o mar bravio das dificuldades, não se afoga nelas, navegando entre ilhas na direção certa, mesmo sendo incerta a sua chegada. Ó navegantes, saibam aproveitar as marés, as correntes, os ventos, mas não se esqueçam de que também têm que remar, ou, se bem habilidosos, construir um motor. De minha parte, posso garantir, a felicidade é bem simples e bastante elementar, basta não pisar em ninguém, nem se deixar pisar. Tudo mais se ajeita....

Ano Novo, Merda Antiga

Alguns poucos leitores perguntaram porque fiquei tanto tempo sem escrever. Ora, com tanta bosta acontecendo, não quis aumentar a fedentina com as minhas merdas. Enchente, dengue, gente e coisas sendo levadas pelas águas, crimes e violências, guerras e barbárie pelo mundo, enfim, o mesmo de sempre. Deveria falar daquela merda das falsas expectativas para o ano novo, carregado de dívidas antigas, mas preferi me silenciar para não carregar o estigma de ser um negativista, quando sou apenas realista. De que adiantaria falar que o que mais se produz no natal é lixo, com as embalagens entupindo bueiros, que a festa de fim de ano imundícia as cidades e que o cheiro de urina pelas ruas é o perfume da alegria fútil de quase todos? Como tudo mais que faço, pouco ou mesmo de nada serviria. Mas, voltei, como sempre, sem muito entusiasmo, querendo fazer pouco, e sabendo do pouco valor de tudo que faço. Minha única perspectiva com isso é provocar alguma diarreia mental, que se não enche de sabedoria, espero, alivie alguma carga de ignorância.....

domingo, 16 de dezembro de 2012

Uma estranha função social

Sou um decifrador dos sinais, dos signos e dos símbolos humanos, ainda que nem seja sábio, muito menos tenha competência em alguma ciência. Tento traduzir a incompetência humana para a convivência pacífica, seja consigo mesmo, seja com as demais criaturas, seja com a natureza para o pouco entendimento das pessoas, que mais do que não saber, sentem asco pela sabedoria e mergulham fundo na mais profunda ignorância. Confesso que não tenho sucesso, nem mesmo êxito. O amor a ignorância é tão arraigado, a preguiça mental é tão habitual, a falta de coragem para descobrir a verdade é tão forte, que meus esforços na maior parte das vezes resultam em palavras faladas sem serem ouvidas, ou odiadas, ou ainda desprezadas, o mais usual. Ainda assim prossigo esforçadamente mostrando como o ódio decorre do amor, como a tristeza é o resultado mais imediato da alegria, que a igualdade não passa de um símbolo matemático, que a liberdade é responsável pela construção das prisões e que a razão é uma ilusão e um mito recorrente quase tão antiga e arcaica como a divindade. É que no mundo humano, quase todo formado de coisas não palpáveis (amizade, felicidade, amor, poder, justiça, liberdade etc.) ou materiais, ou tangíveis, coisas que não tem um ser específico, mas é antes uma forma de estar e agir, coisas que só existem ou decorrem de estarmos entre homens, do contato entre as pessoas, quando se fala alguma coisa, muitas coisas distintas podem ser entendidas, assim, da mais inocente ação pode ocorrer repercussões imprevisíveis e pode significar coisas muito diferentes, dependendo do nível informacional dos receptores. Logo, quando digo que o problema político é ético, que o crime é um problema de saúde pública e a saúde pública vem se tornando caso de polícia, poucos entendem. De fato, dos símbolos inventados pelo homem, o mais esotérico e exotérico, sem dúvida, além da certeza, está a verdade, que sempre comportou inúmeras mentiras e infindas falsidades, pois assim como dizem que há várias falsidades e formas de errar e só uma verdade e uma forma de acertar, ocorre de não se acertar, nem verdades descobrir, visto que a mentira sempre pode prevalecer. Sinais da ocupação humana do planeta: há merda humana de polo a polo. Signos da ocupação humana do planeta: as línguas diferenciadas que se escuta pelas diversas partes da Terra. Símbolos evidentes do domínio humano do planeta: a produção cultural da humanidade. Sinais, signos e símbolos são quem promovem o entendimento e o desentendimento, a emancipação das pessoas ou sua submissão, a libertação ou escravização a algumas verdades e as inúmeras mentiras, além da ocupação planetária. De resto, só peço que não interpretem esses sinais, signos e símbolos, como se fossem “A” Verdade, mas que entendam antes que expressam minhas verdades, que ainda que possam não ser verídicas, são certamente honestas. Para encerrar, é preciso que se diga que, o que mais simboliza nosso existir, sinal claro de nossa estranha permanência na existência, signo unívoco de nossa inconsistência é o mito recorrente do fim do mundo, que encanta e espanta o imaginário supersticioso dos homens e sua consciência pesada há milênios, e nem o mundo nem o mito têm fim. O que todos deveriam saber é que só uma forma de acabarmos com o mundo, excluindo essa palavra dos dicionários dos homens, no mais só petulância simbolicamente frágeis, repleta de signos com significações insignificantes e sinais confusos da pressa de ocupar o silêncio do desconhecimento, já que não poucas vezes querem explicar o que não sabem com coisas que sabem menos ainda.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A merda brasileira


O Brasil não tem problema, já o brasileiro é muito problemático. Sua elite ascendeu pelo dinheiro, pela força ou pela violência, não por méritos políticos ou por virtudes morais; assemelha-se mais a uma oligarquia do que a uma aristocracia. Sua suposta elite intelectual ambiciona fama nacional para tentar conseguir glória (efêmera) internacional. Mais do que inculta e ignorante, é fundamentalmente burra, mesquinha e medíocre. Sinal claro disso é o lugar (ou não-lugar) da educação em solo brasileiro, uma coisa improvisada desde sempre e, como tudo indica, para sempre: segue os oportunismos governamentais, mais do que atender as necessidades nacionais; sempre na mão de leigos, de apadrinhados, de amigos, de familiares, de políticos, nunca na mão de educadores. O oportunismo e o improviso é a marca mais significativa do espírito brasileiro. Não acredita no trabalho (ainda que trabalhe como um burro), no estudo, no esforço, mas na sorte e nas relações pessoais que trava para vencer na vida, nem que para isso tenha que cometer uma ou várias canalhices. Suas virtudes morais são tão baixas, que basta ver alguém simplesmente honesto, o que todos deveriam ser, para colocá-lo nas manchetes dos jornais e televisões como herói, um modelo, não para ser seguido, pois no Brasil poucos acreditam na honestidade como uma prática comum, mas para dar uma leve expectativa que entre tantos bandidos, há ainda esperança de haver alguns poucos que se salvam. O brasileiro tem a alma de garimpeiro, daquele que espera fazer fortuna rápida explorando a natureza, sem se importar com os custos dessa busca; tem um caráter covarde que o faz silenciar diante das injustiças ou quando tem que agir para que ocorra o certo, que alienadamente delega ao Estado, ou pior, ao governante realizar; é um preguiçoso quando se trata do bem comum ou da coisa pública; é um pervertido moral, pois a moralidade é algo do reino da aparência, nunca de essência, e o importante não é ser, mas parecer honesto, bom e justo – via de regra, aquele que mais cobra moralidade é quase sempre o mais imoral, e quer se qualificar, desqualificando o outro. Quando age certo, dificilmente é pelo motivo correto, e quando tem um motivo correto, acha que não precisa agir certo. Que alguns possam achar virtude numa aparente alegria ou numa suposta cordialidade brasileira (que o digam os descendentes de escravos, que muitos não encontraram até hoje um lugar descente para morarem), ou ainda em algumas manifestações artísticas ou esportivas onde alguns indivíduos possam se destacar, que não seja pelo dinheiro, pela força ou pela violência os outros fatores que destacam os brasileiros para eles mesmos, tendo a discordar, ou pelo menos relativizar a qualidade dessas virtudes, uma vez que se continua a privilegiar as ações individuais, quando as verdadeiras virtudes, ou pelo menos, as mais importantes não são aquelas que destacam os indivíduos, mas aquelas que são produzidas em conjunto com os demais, aquelas que se faz entre homens como a amizade – não a cumplicidade como se entende em solo brasileiro a amizade; a coragem de enfrentar as adversidades e as injustiças; a justiça de saber agir de forma certa no momento apropriado, antes que a vingança por maldades supostas; a sabedoria para moderar sua razão e suas emoções, de forma geral, imaturas e tolas. Tenho para mim que o brasileiro é um cagão, não só foge da luta, mas se caracteriza pelo famoso “deixa disso”, acredita que deve entregar tudo quando sob a mira de alguma arma, que uma prolongada vida covarde é infinitamente melhor que uma breve vida heroica, que nada nem ninguém valem qualquer gesto digno de sua parte, que se deve se ajoelhar, seja aos poderosos, seja a qualquer bandido. A herança histórica dos brasileiros é recheada de canalhice, negociatas, sandices, megalomanias, mentiras, usurpações, corrupções, golpes de Estado, que por mais que historiadores procurem alguma dignidade, a mesma nem ao menos é um termo do vocabulário ordinário, quanto mais algum tipo de prática ou mesmo teoria, tendo em vista que o que moveu o desenvolvimento nacional sempre foram interesses mesquinhos, econômicos e as circunstâncias que obrigam os brasileiros a terem que revisar seus pontos de vistas sempre arcaicos, meras cópias mal feitas de ideias importantes, mas que poucos entendem – falta cultura, falta formação! Se pudesse fazer uma hierarquia entre as merdas nacionais, o que é certo absurdo, pois seja bosta, coco, fezes ou excremento, trata-se, sem dúvida, sempre de merda, um termo rude ou rústico, é verdade, mas honesto e verdadeiro, e muito mais próximo da realidade nacional, onde excremento é um termo tão sofisticado, que nem professores universitários o utilizam, além de soar falso aos ouvidos surdos dos nacionais, diria, então, que uma das coisas mais fedidas que temos é as leis, um excremento só. Em primeiro lugar, ninguém ou quase ninguém em solo brasileiro, e sendo brasileiro, gosta de lei – burlar é quase um esporte nacional, com certeza, uma prática usual; todos ou quase todos, por arrogância ou ignorância, acham que as mesmas servem aos demais, nunca para eles próprios ou para aqueles que consideram seus. Em segundo lugar têm a petulância de querer mudar a barbárie nacional por decreto, quando os hábitos e os costumes só muito lentamente podem ser mudados, quando são mudados, o que nem sempre ocorre. Em terceiro lugar querem abranger tudo e tudo escapa pelo excesso de regulamentação que se contradiz ou se opõe, ou nada especifica de fato, e tudo se resolve pelo burocrata que interpreta a norma como bem entende. Entre o que a lei impõe, o que o governante ordena e o que o funcionário público faz são coisas tão distintas, que qualquer cidadão sabe que quem de fato resolve seu problema, é aquele amigo que conhece alguém na repartição que fará tudo acontecer como tem direito (ou não), mas que ninguém está disposto a realizá-lo, a não ser que seja conhecido de alguém da repartição ou instituição que presta o serviço. Diria que em termos políticos os brasileiros são pré-políticos, acreditam mais nos homens do que nas leis, votam mais nas pessoas que nas ideias, e se pudessem seriam monarquistas, só não são para não ser a única excrescência das Américas. Na verdade, a mentalidade brasileira é de Estado absolutista, que deve resolver tudo, que deve fazer leis, executar o direito, guardar a economia, resolver as pendengas de todos e acolher a todos diante dos cataclismas. Os brasileiros valorizam mais a beleza que a inteligência, mais o bolso que o caráter, mais o sabido que o sábio, mais o esporte que a política, mais a arte que a ciência, mais o mito que a filosofia, mais a aparência que a essência, mais o conhecimento prático e a utilidade imediata que a sabedoria teórica e de caráter formativo, que não visa um fim imediato, mas aquisição de certo refinamento no pensamento. A grande contribuição para a humanidade dos brasileiros, além do samba e da cachaça, é o fato de serem medíocres e não fazerem grandes coisas, o que evita grandes erros, e sua atuação na arena internacional é pífia, como são seus políticos, não contribuindo para grandes cagadas mundiais; quase toda nossa merda é absorvida internamente. Externamente temos a petulância se sermos uma potência, ainda que acrescentem o sofisma “emergente” após potência, que se sabe, não é levado a sério, pois concretamente somos uma nação pouco confiável, onde os contratos podem ser rompidos por mudanças intempestivas das leis, sempre prontas para mudanças segundo a força dos interesses que as promovem. Não há diálogo ou debate, e qualquer manifestação de ideia, se desqualifica o idealizador antes de se entrar no mérito do idealizado. A democracia é entendida como uma tirania da maioria sobre as minorias e que a escolha do governante resulta na liberdade de escolha da tirania a que se quer se submeter. A aquisição de riqueza ou bens resultam mais numa ostentação de sua posse do que em algum tipo de aprimoramento pessoal e, de forma alguma social, e a aquisição de conhecimento em posse de instrumento de manipular e enganar a grande maioria, carente não apenas de conhecimentos, pois que isso até mesmo a elite é, mas também portadora de uma ignorância secular, e, portanto, facilmente manipulável por qualquer espertalhão. Fundamentalmente, o brasileiro tem preço, e é barato, porém, pouco valor.
Ao afirmar isso pode parecer que tenho certo menosprezo pelos brasileiros, entre os quais me encontro. Longe está da verdade. Há algo que admiro e que certamente deve ter influído sobre os fundamentos metafísicos da minha filosofia intestina, a desimportância dos brasileiros no cenário internacional e a vagabundagem brasileira (cantada em versos e contada em prosa desde o início de sua ocupação) e que sempre foi severamente reprimida pelas autoridades oficiais e econômicas, quando não pela própria família, que não poucas vezes tem que carregar nas costas um ou vários folgados que habitam as famílias brasileiras. Verdade que as autoridades são essencialmente vagabundas, mas cobram de nós esforços, para que elas próprias não tenham. De fato, conheço poucos que, se pudessem, não viveriam à custa de alguém ou do Estado, e como são tantos a ter a mesma ideia, poucos de fato realizam, ainda que queiram. Nisso vejo alguma sabedoria, todos querem antes um emprego do que um trabalho, mais o salário que o esforço para obtê-lo, o único problema é que isso é feito de forma desonesta, como é a prática nacional. E a desonestidade, não a vagabundagem, é o que onera a vida de todos, pois paga-se caro para se garantir os bens, que a rigor nunca estão de fato garantidos, que podem ser usurpados em ardilosas artimanhas, pois que aqui, dependendo dos recursos econômicos que se tenha e do arsenal jurídico que se utiliza, tudo pode ser transmutado diante do juiz: nem as leis são muito honestas nesse país. A preguiça que é algo comentado e relatado desde o que se intitulou a “descoberta” (ocupação) do Brasil, que dá o suporte ontológico para a vagabundagem nacional, deveria ser desenvolvida e aprimorada, porém realizada honestamente, e não como se faz, sempre em prejuízo de alguém ou de vários. Deputados, governantes, juízes e tantos outros folgados que rondam as manchetes nacionais deveriam ser privados de seus privilégios, para que mais pessoas possam folgar também. Ora, se há uma coisa que nossas leis fazem é garantir privilégios as diversas categorias, proporcionalmente à sua força política diante da sociedade covarde. Enfim, esta preguiça tão salientada nos trópicos pelos experientes europeus, tão necessária para uma vida digna num clima por vezes tórrido, deveria ser levada mais a sério, e ao invés de trabalharmos para sermos uma potência medíocre, ser um país que antes de aparecer diante dos demais, satisfaz o mínimo necessário para os que aqui perambulam e habitam. A verdadeira riqueza natural só é útil, se nos faz trabalhar menos, e aqui se tem tantas frutas, o que permite desfrutá-las o ano inteiro, sem muito esforço.
De resto, vejo que os países podem se organizar sob círculos virtuosos ou círculos viciosos, e a qualidade dos círculos depende da qualidade dos cidadãos; onde se tem mais virtude, há menos violência e menos custos para se viver, onde se tem mais vício, há mais violência e o custo social é maior. O brasileiro se estrutura através de círculos viciosos, que datam do tempo colonial, com clientelismos, paternalismos, cumplicidade e troca de favores, onde as relações pessoais são mais importantes que as competências individuais, e o bem público uma apropriação privada dos setores sociais mais fortes da sociedade brasileira; a repartição de honras e punições atendem critérios de relacionamentos, e quanto mais distanciado estiver dos portadores desse poder, tanto mais distante estará da honra e mais próximo estará da punição. Naturalmente, para os cidadãos comuns, como eu e a grande maioria, que nada fazemos e assim nada podemos para alterar os vícios que sustentam a sobrevivência viciosa dos brasileiros, que passamos despercebidos das autoridades e da imprensa, e temos uma vida normal, ou seja, sem glória ou fama, podemos levar uma vida bem razoável no Brasil, afinal há pessoas divertidas, há muita coisa para ser vista, criamos relações que nos sustentam num mar de barbárie social, pois aqui se mata mais por menos, e a vida é uma banalidade que assistimos esvair nos telejornais diários. Dizem os mitos que a câmera inibe a criminalidade, entretanto, desde que se tornaram usuais, só tenho assistido a roubos e mortes, sem observar nenhuma diminuição, pelo contrário, assisto alarmado a sua ampliação e amplidão. Eu mesmo já sofri várias tentativas de roubo, e só não fui roubado porque nada tinha (ou tenho) para ser roubado, pois praticamente só tenho o que trago dentro de mim, algumas ideias, várias emoções, alguns parcos conhecimentos e uma tênue vontade de continuar vivo, e nem sei direito por que. Talvez, porque eu mesmo ainda não tenha feito uma grande cagada e apenas cagado aqui ou ali moderadamente, como a grande maioria, que se não traz grande contribuição para a vida pública, também não promove enormes disparates públicos.
Poderiam legitimamente perguntar se não haveria pessoas que escapam desse diagnóstico, ou até mesmo se eu estaria imune a essa mediocridade brasileira que descrevo. Creio que sim, aliás, eu me considero quase imune à barbárie local, conseguindo conviver razoavelmente de forma pacífica nesse mar de mesquinharias e violências; além disso, conheço gente sábia e justa por aqui. Todavia, somos tão poucos e a sabedoria é tão difícil de ser absorvida pelos locais, assim como o bom senso tão escasso, e a disposição para agir assim como a coragem para a ação tão raras, que suas existências passam despercebidas, quando não são tidos por tolos quem possui tais qualidades; é que num universo de ignorância generalizada, independente da classe social, a sabedoria dificilmente é reconhecida, e o sabido reina soberano sobre os vulgos. E a merda nem é tanto não saber, mas antes a forte aversão a saber. Eu que não espero grande coisa do futuro, visto que o passado é medíocre e o presente igualmente, aguardo apenas o passar dos dias para assistir antigas cenas se repetir e, dentro das minhas limitações, sofrer o menos possível com a barbárie dos demais e tomando cuidado para não pisar na merda que vejo espalhada por toda parte.